segunda-feira, 27 de junho de 2016

RELATO DE PARTO DA ANAHY - Domiciliar com transferência - Parto normal após cesárea (VBAC com indução)

Relato de parto da minha querida amiga Simone, que aconteceu aqui em Lavras - MG, na Santa Casa, em Março de 2016.

Partos anteriores

   Escrevo no intuito de colaborar na luta permanente pela humanização do nascimento, fortalecer as mulheres que buscam o parto normal após cesárea, incentivar aquelas que ainda são levadas a crer em mentiras (de que não aguentamos um parto natural) e ampliar a percepção, para demais pessoas na sociedade, da importância da humanização do nascimento. Penso que essa discussão deveria sair da esfera estritamente obstétrica e ganhar espaço, inclusive, na educação de jovens. Quero dizer que sim, somos todas capazes de parir, que parir dói, mas nos fortalece além do que imaginamos!! Este relato é também um desabafo de tudo que ficou guardado em minha alma feminina por tantos anos e que pude parir junto com Anahy no dia 11 de março de 2016.
Nossa primeira filha, Maíra, nasceu dia 14 de dezembro de 2005 em Porto Alegre, RS. Durante a gravidez estava convicta que queria parto normal, li o livro “Parto ativo” sonhando em parir de cócoras, pois me parecia muito natural. Nem sabia o que era “violência obstétrica”. Morava em Manaus e meu marido no interior do Amazonas, distante 4 dias de barco… passamos a gravidez nos vendo uma vez por mês. Fiz a coleta de dados de meu mestrado, na floresta, até o sexto mês de gestação. Em dezembro ele foi comigo ao RS, onde vive minha família, para acompanhar o parto. Entrei no Hospital de Clínicas com 3 cm de dilatação e contrações regulares, fui bombardeada com intervenções desnecessárias: indução imediata com ocitocina, rompimento de bolsa, monitoramento fetal constante, exame de toque a cada hora por médicos diferentes, deitada para o lado esquerdo durante todo TP. Ao final de 12h ela nasceu via vaginal, porém só fui vê-la e amamentá-la quase 9h depois…Lembro como se fosse ontem a carinha dela, quando foi colocada ao meu lado… Abriu os olhos de imediato, me olhando fixamente… Fiquei triste, frágil, chorava sem saber porquê. No momento do expulsivo não sentia bem as contrações e fizeram episiotomia (corte na vagina). Entendi que fui cobaia de uma equipe médica, onde todas mulheres recebem tratamento igual sem considerar a fisiologia de cada uma. Haviam prazos para dilatar, para expulsar o bebê, as intervenções foram realizadas sem meu consentimento, não pude beber água nem ir ao banheiro durante todo TP… Primeiro dia no hospital, quarto coletivo do SUS, tive rachadura na mama. Sangrava…Entrou uma equipe de médicos residentes no quarto, o “professor” se dirigiu a mim, pegou meu mamilo sem sequer dizer bom dia, e virou para os estudantes: “este é um caso típico de rachadura de mamilo”. Eu estava tão cansada, tão frágil, não consegui ter reação alguma. Hoje, eu daria um tapa na cara daquele imbecil. Durante anos não entendi nada.
Nossa segunda filha, Anita, nasceu dia 12 de março de 2010 também em Porto Alegre. Morávamos em Lavras, Minas Gerais. Durante a gravidez tive algumas intercorrências que hoje compreendo terem sido neuroses da obstetra (ameaça de aborto, depressão, etc), que me fizeram ter uma gravidez sedentária. Continuei sonhando com o parto de cócoras, e teria a assistência de minha médica no sul  que conhecia desde minha adolescência. Estava segura. Fui a Porto Alegre novamente para ficar próxima de minha mãe no parto. Porém, no dia 4 de março ela sofreu um AVC e ficou em coma sem leito disponível nem médico para assisti-la no SUS, acomodada na emergência. Enfrentamos o sistema de saúde com liminares na justiça e buscando apoio da mídia para conseguir um leito para ela. Meu telefone não parava de tocar, advogado, amigos dando apoio, oferecendo ajuda, repórteres oportunistas querendo com meu momento atingir a prefeitura….fomos aos jornais, à televisão, valia tudo. Esqueci tudo que eu sabia sobre biologia, acreditando até o último momento que ela iria voltar… O desgaste foi enorme, dia 10 de março o médico que cuidava do caso dela (clínico geral) disse sonoramente “cuide do seu bebê que está para nascer que sua mãe não tem mais volta” eu estava então com 38-39 semanas…. Lembro que gritava, me desesperei naquela emergência de quinta categoria, perdi o controle, e esqueci completamente que estava às vésperas de parir. Ao final minha médica sugeriu uma cesárea porque eu estava muito abalada e tinha medo que algo pior acontecesse à minha mãe e eu ainda estivesse grávida. Não questionei, estava sem controle algum de minha vida naquele momento. Marcamos para o dia 12. Lembro de que a cada aparato que iam colocando em meu corpo (dispositivos para monitorar coração, sonda, soro…) me lembrava a condição de minha mãe no hospital, com os mesmos aparatos, só que ela estava inconsciente. O médico anestesista perguntou se minha mãe fumou durante a vida, respondi que sim. Então ele me disse “a saúde cobra seus pedágios mais cedo ou mais tarde”. Nenhum daqueles médicos tinha noção de quem era aquela mulher que estava em coma.
Anita nasceu às 20h. Mamou nos dois peitos de imediato e foi para o colo do pai. Chorei ao escutar seu chorinho. A visão de minhas pernas sem movimento após a cirurgia foi um terror. Tive hipotermia, minha temperatura foi a 33 graus, tremia tanto que perdi o controle do meu corpo e me cobriram com vários edredons. Senti medo. Fui para o quarto já às 2h da manhã. Às 5h minha prima entrou no quarto e recebi a notícia do falecimento da minha mãe… Eu queria ir a cremação, me despedir… mas com uma cesárea não poderia sair do hospital antes de 48h. Eram então duas dores, a perda de minha melhor amiga e os cortes da cesárea, que levaram 3 meses para cicatrizar. Ainda no quarto do hospital vi na televisão a morte de minha anunciada como “a Senhora que estava aguardando um leito… mais um caso que o SUS não resolveu”. Na família todos estavam em choque. Ela era uma mulher muito forte, unificadora, apaziguadora e necessária a todos.
Não tínhamos intenção de ter mais filhos, mas em 2015 mudamos de idéia simplesmente porque adoramos crianças!! Na primeira tentativa tive um aborto espontâneo, precisei curetagem. Foi sofrido, mas no mês seguinte engravidei outra vez!

Gestação

Decidi que este parto seria o que eu desejei sempre, e que seria em casa com a presença de minhas duas filhas, futuras mulheres que poderiam vivenciar como podemos trazer as crianças ao mundo de forma respeitosa. Passei o primeiro trimestre no Chile, sozinha, realizando um estágio do meu doutorado, que curso em Lavras. Ao retornar para casa engrenei uma gravidez extremamente ativa: ioga, meditação, pilates, radicalizei a alimentação saudável, leituras e mais leituras sobre tudo a respeito de parto e preparo para o parto. Procurei exorcizar alguns medos: o de que eu era uma gestante de risco pela minha idade (37 anos) e de ruptura uterina pela cesárea anterior.
Estudando entendi porque passei por tudo que passei nos dois partos anteriores. Infelizmente a realidade é que não basta para uma mulher querer ter um parto natural, ela precisa estudar, se informar, se preparar muito, muito, muito…...e principalmente…contar com uma equipe humanizada! Mas humanizada de verdade. Soubemos que seria outra menina, que alegria! E já começamos a chamar ela de Anahy, nome de origem guaraní. Fiz contato com uma equipe de Divinópolis, Rebeca (doula), Fabiana (enfermeira obstétrica) e Larissa (obstetriz) e elas aceitaram me assistir. Durante o pré-natal fazia consultas com a equipe domiciliar aqui na cidade, junto a uma amiga que estava com idade gestacional próxima a minha. Foi essa amiga que me colocou em contato com a equipe e serei eternamente grata a ela por isso. Formamos um grupo de gestantes via whatsapp e iniciava um grupo de empoderamento de mulheres que buscam parir com dignidade. Meu médico obstetra aceitou e apoiou minha decisão de parir em casa e me assistiria no hospital se fosse necessário, colocando-se à disposição como “back-up” da equipe domiciliar. E o sonho foi semeado! Passei os nove meses idealizando este parto (embora dissesse a mim mesma que não faria isso e deixaria tudo fluir do jeito que viesse).
Sempre gostei muito de estar grávida. Sempre me senti disposta e ativa. E esta foi a gestação mais tranquila de todas, pois estava no melhor dos mundos, com meu marido junto, as meninas independentes, uma equipe humanizada auxiliando, muitos medos exorcizados, tranquila e ativa durante todo tempo. Ao final da gravidez tive uma forte candidíase que me fez tomar uma atitude radical: eliminar todo açúcar da minha alimentação. Após alguns dias me sentia muito melhor, curada, e com uma disposição tremenda. Intensifiquei os exercícios de ioga e meditação em casa, e trabalhava muito o mantra “A” que minha professora recomendou muito para o momento do expulsivo. Além disso, exercitei o períneo com o aparelho epi-no para ter melhor percepção corporal. Tanto o epi-no quanto os mantras e as contrações do períneo considero que foram fundamentais para o sucesso do parto.
Ao longo da gestação conversamos muito com as nossas filhas sobre o parto, a importância de um nascimento respeitoso e procedimentos  baseados em evidência, assistimos vídeos diversos de partos. Elas estavam muito ansiosas por acompanhar o nascimento da irmã…E eu sonhando em viver isso junto as minhas pequenas futuras mulheres.
Completaria 40 semanas dia 10 de março. No entanto, após as leituras me preparei para que pudesse acontecer até as 42 e procurei nas últimas semanas desligar de tudo que tivesse relação com o nascimento para relaxar. Não queria ler mais nada a respeito de parto, não queria mais ver vídeo algum…Desde a 37ª semana tive contrações fortes (pródromos) durante alguns períodos da noite, e pensava que estava mesmo perto de chegar o momento!

O parto

No dia 9 de março fui à tardinha buscar minhas filhas na escola andando, para ajudar a “chamar o parto”…Escutei relatos de mulheres que trabalharam no “pesado” até o último dia de gravidez e que o trabalho de parto engrenou. Mas estava certa de que iria demorar ainda mais uma semana…
Lá pelas 21h comecei a sentir contrações fortes, liguei para Rebeca (doula) que sugeriu monitorar. Baixei um aplicativo no meu celular e fiquei monitorando. Estava de 5/5 minutos. Por volta da meia noite a equipe avisou que viria para Lavras. As contrações estavam fortes e não pude dormir. Passei um tempo no chuveiro para aliviar as dores. Depois, meu marido organizou um esquema na rede que me deixou confortável. Fiquei sentada na rede, debruçada em uma pilha de travesseiros, e com a bola de pilates embaixo. Sentia vontade de vocalizar e assim passei a madrugada. Nem percebi o tempo…. às 5h a equipe domiciliar estava aqui em casa. Fiquei muito emocionada quando elas chegaram pois então caiu a ficha de que Anahy estava mais perto! Fiquei feliz! Rebeca já iniciou as massagens a cada contração e fui pro chuveiro outra vez, vocalizava a cada contração. Minhas filhas acordaram logo em seguida e estavam felizes também. Maíra disse que me escutou gemer e que ficou preocupada, mas quando viu a alegria de todos ficou tranquila de que o momento estava chegando.
No meio da manhã caminhei pelo quintal. Sentia vontade de me agachar e parecia que era a única posição que aliviava as dores. Já não sentia vontade de gritar, pois tinha a impressão de que gritando minhas energias iam junto. Então passei a praticar respiração profunda, soltando o ar a cada contração. Ao final da manhã entrei na piscina e o alívio foi imediato.
Anita, minha filha mais nova, quis entrar na piscina comigo e ficou brincando, fazia massagem em meu rosto... Simão, meu marido, fez do-in nas minhas mãos, que aliviava muito. Almocei, bebi água. O movimento na casa era grande, ele estava presente todo momento, mas também precisava cuidar das crianças. Ele fez também um chá de pimenta, cacau, gengibre e mel, que pedi para me dar mais ânimo. Senti sono, Fabi sugeriu que descansasse, mas não tolerava ficar deitada. Queria agachar nas contrações.
À tarde descansei um pouco na rede. Pedi que as crianças não fossem a escola, pois tinha medo de que nascesse Anahy e elas não estivessem presentes. Elas ficaram no quarto brincando no mundo delas, vindo de vez em quando me ver. No entanto, chegando ao final da tarde elas começaram frequentemente perguntar quando iria nascer.
   Isso foi me deixando angustiada, mas assim mesmo não me ocorreu de pedir a minha amiga que estava à disposição levá-las de casa por um tempo. Acreditava que meu TP seria rápido. Doce ilusão!
Perto do final da tarde Rebeca me convidou pra dançar. Escolhemos algumas músicas e dançamos. No entanto, por algum motivo eu ainda estava muito racional e comecei a me perguntar em que momento eu iria desprender da realidade. Pedi para beber um amarula, um licor com cacau muito alcóolico, para ver se eu desligava um pouco, mas só me deu mais sono… Fabi sugeriu fazer toque, mas eu tinha receio de ficar ansiosa e preferi não fazer. Rebeca aplicou a técnica do rebozo, que consiste em usar um pano bem largo no quadril e sacudir. A sensação era boa. Em seguida Simão me fez uma massagem tão intensa que senti nela todo seu amor por mim, por nós, chorei muito.
Ao final do dia o tampão mucoso começou a sair. Eu estava até essa hora tensa, pois nada acontecia. Quando ele desceu em maior quantidade chorei de alegria! De fato ela estava por nascer! Às 19h30 Fabi fez um toque, e eu disse que não queria saber minha dilatação. No entanto, senti que não estava muito avançada pelas caras de todos (depois soube que estava com 4 cm apenas). Nessa hora fiquei tensa, com medo. Já me sentia muito cansada, mas não conseguia deitar. Sempre que deitava vinha à minha mente o parto da Maíra, em que fiquei deitada 12h sem poder me mexer…
Tinha passado o dia me movimentando e agachando a cada bendita contração! Não deitei nem descansei de verdade em momento algum…Minhas filhas foram dormir um pouco frustradas pela demora, e isso estava me incomodando (só percebi que estava incomodada depois do parto, relembrando). E mais uma noite seguiu, fiquei pouco na piscina, pois percebemos o quanto minhas contrações haviam espaçado após a água. Era como se meu trabalho de parto tivesse estacionado, As contrações ficaram muito espaçadas, a cada 10 minutos, e eu dormia entre elas. Durante a noite fiquei no ambiente que havia preparado, com uma luz azul que acalmava e música suave ao fundo.
Quando já eram 1h da manhã do dia 11 Fabi sugeriu fazer outro toque, desta vez quis saber, estava com 8 cm. Pensei, puxa tudo isso e ainda estou com 8cm?? Quando lembro desse meu pensamento morro de arrependimento, pois estava tão perto… A bolsa estava com uma rotura alta, iniciou perda de líquido bem devagar e rajadas de sangue. Fabi sugeriu terminar de romper, aceitei. Passei a madrugada um pouco deitada. Era tão difícil deitar…hoje me pergunto como consegui parir Maíra deitada!!
Às 5h outro toque, ainda os mesmos 8 cm e havia se formado um edema no meu colo (como um inchaço, que não permite ele dilatar mais). Soube depois que com o colo assim, no hospital seria cesárea na certa. Então Rebeca e Fabi me colocaram na posição de Gaskin, para aliviar a pressão sobre o colo. Era dolorido demais, pois deveria ficar com o quadril elevado bem no momento da contração, com elas aplicando uma massagem que era uma tortura, quase não suportava. Pedi para parar com aquilo, elas sugeriram que eu ficasse realmente deitada, pois precisava aliviar a pressão sobre o colo. Fiquei então, pela primeira vez durante todo TP, deitada pro lado esquerdo. Simão ficou massageando meus pés com do-in durante 3h ininterruptas!! Dormi.
Descansei até as 8h, outro toque foi feito, estava com 8/9 cm e colo sem edema, 90% apagado. Disse que eu estava muito cansada, queria uma anestesia, uma cesariana, qualquer coisa para acabar com aquilo tudo!!!! Não aguentaria mais nada, queria meu bebê em meus braços… Desesperei de verdade… Às 8h30 foi comunicada a transferência ao médico, que esperaria no hospital. Falei para as meninas que iria para o hospital, Maíra chorou…me penalizo muito sempre que lembro disso, ficou guardado na memória…Ficamos aguardando até 10h, pois o médico tinha outro compromisso e ainda não estava lá. Saímos para o hospital de carro, que fica a uns 5 minutos de casa. Fui no caminho me sentindo a mulher mais derrotada do mundo….tanto preparo, tanta dedicação, tantas horas em casa para acabar caindo no hospital e ainda fazer uma cesariana! Me senti o lixo, incapaz, impotente, ridícula, inferior…..
No hospital ainda tivemos que fazer ficha e esperar para subir até a suíte da maternidade. Durante as contrações ficava abraçada na Rebeca, e esse apoio foi fundamental. Me sentia segura, acarinhada, consolada. Estava totalmente entregue a tudo, entregue mesmo, não me importava mais nada que fosse acontecer. Tive medo de morrer. Esqueci de tudo que planejei, esqueci das músicas que queria no meu parto, esqueci, esqueci….o cansaço me venceu.
Cheguei no hospital falando pro médico que queria uma analgesia ou uma cesárea, qualquer coisa que acabasse com aquilo tudo, estava cansada demais. Ele me fez o toque e disse que eu estava com 9 cm, e que não valia a pena fazer uma cesárea, já que faltava tão pouco. Sugeriu que induzisse com ocitocina bem de leve, para fazer com que minhas contrações entrassem num ritmo mais rápido outra vez, já que havia horas que elas haviam estacionado. Fiquei com medo pois tinha lido que com cesárea anterior não deve haver indução. Rebeca me disse que neste caso nem seria uma indução, seria uma condução pois já estava muito perto. A ocitocina nesta situação somente iria fazer com que minhas contrações ficassem mais ritmadas, de minuto a minuto. Aceitei, mas acreditando que iria ser cesárea pois pensava que não seria capaz de suportar uma só contração. Estava certa de que não suportaria mais nada. Ficaram no quarto comigo meu marido, a equipe domiciliar e o médico.
Às 10h30 foi iniciada a indução com ocitocina, o médico colocou glicose também e me deu uma reavivada, eu estava um caco humano. Quando as contrações voltaram de minuto a minuto, não tinha tempo nem de pensar. Fui pro chuveiro e lá fiquei, agachada e respirando profundamente a cada contração. Já não pedia Rebeca por perto, nem Simão, nem ninguém. Não gostei da banqueta, sentia desconfortável, queria só ficar de cócoras mesmo. E as contrações foram ficando mais fortes, e meu intestino começou a esvaziar. A partir desse momento parece que tudo a minha volta perdeu importância….havia entrado na partolândia! Em um dado momento resolvi sair do chuveiro, foi meio instintivo, só sei que sentí “chega, preciso sair daqui”. Então me lembro de Rebeca me perguntando “Onde você quer dar a luz?”. Essa pergunta ativou meu cérebro “Dar a luz? Então eu vou parir por mim mesma?” Até então eu não estava acreditando que iria parir sem intervenção pesada.
Olhei de relance pelo quarto todo, vi um canto bem na frente da janela, no chão, apontei pra ele com o dedo, sem falar, sem sair daquele universo paralelo em que me encontrava. Fiquei apoiada num banquinho. Não estava legal, então pedi que Simão me sustentasse, pois queria ficar de cócoras. E começaram os puxos. A dor era muito intensa, e a cada contração vocalizava o mantra “A”, relaxava e soltava o períneo como havia treinado durante a gestação. Senti o círculo de fogo, uma ardência insuportável!!!! Mas estava acontecendo!!!! Enfim parir com consciência era parte da minha vida!! Após o círculo, a cada contração aquela vontade louca de fazer força. Me contive fazendo força de leve para não lacerar o períneo.  Eu pensava durante a gestação que não saberia identificar o momento de fazer força, pois meu primeiro parto normal não tive essa percepção pelo tipo de parto que tive (deitada). No entanto, é tão instintivo que não tem como não saber!
O médico perguntou se eu queria sentir ela, coloquei a mão e senti a cabecinha dela saindo, que alegria! Que vontade de gritar! Então continuei relaxando o períneo e fazendo a força suavemente. Quando saiu a cabeça, o médico desfez três voltas do cordão umbilical no pescocinho dela! Só soube depois, pois na hora não tive nem vontade de perguntar, precisava me concentrar. Foi num deslize e ela saiu, veio imediatamente para os meus braços! Fiquei atônita, parecia um sonho, eu tinha conseguido parir ela! De cócoras, como sonhei.



E ela estava ali nos meus braços, linda! Outra indiazinha, olhinho puxado, cabeluda! Muito cabeluda! Igualzinha às irmãs! Ficou em silêncio, e depois de uns minutos espirrou, chorou! Coloquei ela em contato com minha pele. Ficamos com ela. Simão chorava também… e cortou o cordão umbilical após parar de pulsar!
   Depois de uma hora mais ou menos, ele foi buscar nossas filhas mais velhas, por sorte conseguiram convencer na portaria a deixá-las entrar, e assim puderam conhecer a nova irmã logo na primeira hora.



  Eu estava no céu. Era tanta adrenalina, queria falar, queria sair porta afora contando a todos, a energia que eu tinha era incrível, parecia que tinha usado um alucinógeno! Não parecia que havia ficado 38h em trabalho de parto! Estava renovada, forte, capaz de qualquer coisa!
   Eu, com uma cesárea anterior, com 37 anos…me senti com muito poder! Tive uma laceração mínima que nem necessitou ponto! Períneo íntegro! Pensei que se meu primeiro parto tivesse sido assim, teria tido uma penca de filhos, um atrás do outro. 
   Uns 15 dias depois do parto, no entanto, bateu o arrependimento de ter ido ao hospital, quando escutei minhas filhas se queixarem de não terem visto Anahy nascer… Faltava tão pouco….Senti uma dor de não tê-las ao meu lado no parto, pois era um dos principais motivos de escolher o parto domiciliar. Passei dias chorando por isso, até compreender que naquele momento fiz o que meu instinto me pediu. Estava cansada, morta, sem forças. 
   Fazendo uma reflexão profunda sobre tudo que aconteceu, entendi que naquele momento do trabalho de parto eu ainda era aquela mulher-polvo, que queria abraçar o mundo, e nem no seu próprio parto abriu mão disso (em trabalho de parto, pensando nas crianças, sem desligar de nada, com a casa cheia)…. Aprendi muito de mim com essa experiência, me conheci demais, conheci meus limites, superei muitos medos, e parí todos eles junto com Anahy…E agora não sou mais a mesma mulher.
   Serei eternamente grata à Rebeca, Fabi e Larissa por todo apoio que recebi, o respeito e carinho que tiveram comigo. Sem vocês, minhas amadas, eu não chegaria nem perto de viver o que vivi! Serão minhas irmãs do peito e de alma para o resto da minha vida! Amo vocês! Grata ao Lucas, por negligenciar meu pedido desesperado de analgesia! Esse médico apoiou minha decisão e teve paciência de sentar e esperar meu bebê nascer, enquanto fora do quarto seus colegas diziam “eu já teria feito uma episio, não tenho paciência para esperar tanto tempo, porque está parindo no quarto?”. 
   E o mais sublime dos apoios: Simão….meu companheiro fiel, firme, terno, de uma sensibilidade rara, homem lúcido e extremamente amoroso. Nosso laço foi fortalecido ainda mais, com mais esta experiência… Teria mais meia dúzia de filhos com este homem, que me apóia em todos momentos e decisões. A companhia dele foi fundamental, parceiro até debaixo d’água.
  Às vezes quando conto a história de nascimento da Anahy escuto pessoas, mulheres em geral, dizerem “nossa, que guerreira que você foi”, “que coragem”, e coisas do tipo…Como a sociedade conseguiu impingir nas mulheres um medo de algo que elas são as únicas capazes? Digo sonoramente que todas somos guerreiras. A diferença é a assistência que as mulheres podem contar ao seu lado no momento do parto. Se toda mulher tivesse uma equipe humanizada com pessoas competentes, sensíveis, que trabalhem baseadas em evidências científicas, suportaria muito mais do que pensa ser capaz.
   Realmente a humanidade esqueceu sua condição mamífera, o quanto a evolução nos deixou prontas para passar por este processo ao longo de milhares de anos…. Fiquei devaneando esta questão, pensando nas milhares de mulheres da espécie H. Sapiens que passaram pelo parto, desde os tempos remotos em que ainda éramos caçadores e coletores, tentando imaginar o universo físico e espiritual de cada uma, em cada geração... Viagens de bióloga…
   O parto é um portal, de fato uma experiencia única na sexualidade de uma mulher, e que não pode ser vivido plenamente sem a assistência humanizada. Que a luz do conhecimento se faça para todas as mulheres e homens. Meu parto se deu, e mesmo não tendo sido exatamente como eu o desejei, foi lindo, foi o meu parto. Aprendi e renasci. E nada de lamentos, pois a luta está só começando…

terça-feira, 24 de maio de 2016

Relato de nascimento do Dante - VBAC Domiliciar



O parto do Dante começou lá em 2010 com o nascimento da irmã Aurora. Contei AQUI sobre o nascimento dela, da nossa busca por um parto humanizado e sobre toda violência obstétrica que sofremos. Foram 5 longos anos gestando mágoas e angústias, chorando escondido quando o aniversário dela se aproximava e eu relembrava tudo o que nos tinha acontecido.

Engravidei pela segunda vez Julho de 2015, naquele turbilhão de zika vírus e microcefalia que deixou todo mundo em pânico. Foi uma gravidez muito tranquila apesar do alarde por conta do vírus, e desde o momento em que eu peguei meu positivo no laboratório entrei em contato com a minha doula Rebeca Charchar pra saber o que faríamos. No nascimento da Aurora fiquei os 9 meses em contato com Rebeca, mas na hora do parto não quis chama-la e me arrependi amargamente. Dessa vez eu estava preparada e já fui logo acionando ela. Eu e o Luciano havíamos decido lá no nascimento de Aurora que, se tivesse um outro bebê, ele nasceria em casa. Depois do desastre que foi o parto de Aurora, nunca mais cogitamos um parto hospitalar. Dessa vez eu fiz uma poupança e guardei o dinheiro que recebia da minha bolsa de iniciação científica da graduação que ficou na "poupança parto". Quem recebe bolsa sabe que não é muito, mas fui juntando durante anos pra ter um valor bacana pro parto, caso eu engravidasse de novo.

Rebeca me falou que estava trabalhando com uma equipe legal e nova em Divinópolis, cidade vizinha a minha, e eu topei conhecer. Uma amiga muito querida engravidou na mesma época que eu, então consultávamos juntas e rachavamos o valor do deslocamento da equipe até Lavras, que é onde moramos. Fiz pré-natal com um médico que está se humanizando aqui na minha cidade e com a equipe que atenderia meu parto domiciliar. Aqui foi a primeira diferença que eu notei: as consultas com a equipe do PD (parto domiciliar) eram demoradas e tomavam a tarde inteira; elas conversavam não só comigo, mas com o Lu e com Aurora, tiravam dúvidas, conversavam sobre os meus medos, sobre o que eu queria pra mim e pro meu bebê. Era o tipo de consulta que eu gostaria de ter tido lá em 2010 quando tive Aurora e que a gente não encontra num pré-natal tradicional. Aurora media minha barriga junto com a Fabi (enfermeira obstetra, mas que eu vou chamar de parteira pq não consigo chamar de outro jeito), ouvia os batimentos do bebê, media minha pressão, enfim, ela participava de todo o processo da consulta e também tirava as dúvidas dela. Foi um pré-natal muito gostoso. 

Resolvemos não saber o sexo do bebê e fazer o mínimo possível de ultrassons. Fizemos apenas 4 e o pré-natal foi totalmente não-invasivo, o oposto do pré-natal da primeira gravidez.

Conversei muito com a minha equipe sobre protocolos e procedimentos, pois conversando com amigas, minha mãe e minha avó, percebi um padrão sobre a bolsa rota (quem teve uma vez, em geral tem na segunda, terceira e etc), que foi o motivo que me levou pra cesárea na primeira gravidez, e ficou combinado que, caso a bolsa rompesse sem trabalho de parto, esperaríamos o que fosse necessário. Me lembrei da Alessandra, uma querida amiga minha que teve um VBAC depois de 150h de bolsa rota. Me lembrei das aulas de embriologia da graduação, onde a gente aprende que a bolsa serve pra proteger contra choques mecânicos e infecção. Procurei as evidências científicas atuais sobre bolsa rota e o que fazer em termos de procedimentos e etc. E tive me mente os relatos de pessoas cuja bolsa rompei com 20 semanas de gestação e que levaram a gravidez até o final e tiveram bebês saudáveis. Superei completamente meu medo de acontecer novamente uma bolsa rota através de informação e relatos. Fiz terapia e yoga antes e depois do parto pra me ajudar a trabalhar medos também. Meu único medo nessa gravidez foi acabar numa segunda cesárea desnecessária.

No dia que eu completei 40 semanas de gravidez, já estava de saco cheio de estar pesada, grande e sem mobilidade. Fim de gravidez é um porre, e só quem chegou a 40 semanas sem nenhum sinal de trabalho de parto sabe o sentimento de frustração que dá. No final de semana que completei as benditas 40 semanas, decidi dar uma desligada e fui num restaurante com amigos e no dia seguinte fui na casa de uma outra amiga almoçar e passar a tarde. De madrugada eu acordei molhada, fui no banheiro e troquei de pijama. Ainda pensei "porra Aretha, tu com essa idade e se mijando? Ainda bem que o Luciano tá dormindo" e voltei pra cama. O processo aconteceu mais umas 3 vezes até eu me tocar de que era a bolsa que havia rompido. Voltei a dormir e de manhã contei pro Lu, que abriu um puta sorriso. Eu já estava com contrações esquizofrênicas que nunca engrenavam desde as 37 semanas, e foi um alívio a bolsa estourar. Nesse dia eu tinha consulta com meu obstetra, que ia viajar no feriado de 21 de Abril e ía me deixar com uma GO de backup (o que tinha me causado muito estress na semana anterior, em que eu cogitei até ir pro RJ pra parir, mas como tava sem dinheiro decidimos manter o plano). Fui lá e não falei da bolsa, pq eu sabia que se falasse ele iria contar pra GO de backup e ela ía pressionar pra ir na maternidade. Impressionante como foi só pisar no consultório médico que minhas contrações pararam totalmente. Meu corpo rejeita 100% o ambiente hospitalar. Depois da consulta entrei em contato com a minha equipe e deixei elas de sobreaviso. Elas perguntaram se queriam que eu fosse, e eu disse que não e que ligaria quando as contrações ganhassem rítimo.


De noite eu e o Lu arrumamos a bolsa da maternidade (elas pedem pra deixar arrumado em caso de precisar transferir pro hospital), separei a roupinha que minha mãe havia comprado pro nascimento e fomos dormir. Dessa vez, diferente da primeira gravidez, eu menti descaradamente a minha data provável pra evitar parente ligando e pressionando, e também não contei sobre os planos de parto domiciliar. Eu tinha medo de dar errado de novo e de ter toda aquela pressão das pessoas em cima da gente. Querendo ou não, no final das contas eu acho que muita gente sempre torce pra dar errado só pra dizer o sonoro "eu avisei", então pra evitar a fadiga não contamos, e foi a melhor decisão que tomamos. 

Acordei de madrugada com contrações dolorosas e de 5 em 5min. Às 5:30 da manhã, com 24h de bolsa rota, liguei pra equipe vir pq tava doendo muito e eu achei que tinha engrenado. Elas chegaram às 11h, e assim que amanheceu o dia as contrações ficaram completamente sem rítimo. Elas me examinaram e ficou decidido que elas ficariam aqui em Lavras pra me monitorar por causa da bolsa. A cada 6h lá vinha a Fabi ou a Larissa (obstetriz) com o sonar ouvir o coração do bebê, medir minha pressão e monitorar a temperatura (infecção geralmente causa febre). Era irritante esse monitoramento, mas foi legal receber esse cuidado, conversar e tê-las em casa. Lu fez um yakssoba e jantamos todos juntos. De madrugada voltei a sentir contrações regulares e fui pro chuveiro sozinha. Chorei muito nessa hora, achando que não conseguiria, que não iria dar certo. Rebeca e Fabi ouviram e foram lá conversar comigo. Saí do banho e tomei uma taça de vinho (pode me julgar, mas entre tomar um vinho suave a 7% e uma anestesia cavalar cheia de coisa e depois uma morfina no pós-operatório, optei pelo vinho), conversei com as meninas e relaxei. Tentei dormir de novo, pois já era o terceiro dia dormindo picado por contra das contrações. Fiquei puta com Fabi porque ela vinha olhar as contrações e me dizia pra ficar calma e tentar levar a vida normalmente pq, apesar da dor, ainda não era o trabalho de parto, e sim pródromos (contrações de treino). Eu quis matá-la nessa hora e pensava: "jesus, se isso é o treino, imagina quando engrenar?".



Amanheceu e de novo tudo ficou sem ritimo. Dessa vez as meninas resolveram ir pra um hotel que fica perto da minha casa pra nos dar privacidade, e voltariam pra monitorar a cada 6h. Rebeca me sugeriu fazer uma acupuntura pra ajudar e engrenar. Consegui uma consulta de última hora e dormi na sessão e depois dela, o que me ajudou a recarregar um pouco as baterias e melhorar meu ânimo. Ha essa altura eu tava com medo de ser vencida pelo cansaço. Entramos em contato com uma amiga da Rebeca que trabalha com homeopatia, e ela me sugeriu um remédio e algumas visualizações pra ajudar a engrenar o parto. Ligamos em todas as farmácias homeopáticas e conseguimos uma que fizesse o remédio pro mesmo dia, pois era véspera de feriado e tudo ía fechar. 

Às 17h lá fomos eu e Rebeca buscar o remédio e já começei a tomar assim que peguei. Fomos caminhar na universidade (é o único lugar que dá pra andar aqui em Lavras) e lá tiramos fotos, conversamos e encontrei minha amiga professora de yoga, que me deu um abraço ótimo e mandou muitas boas energias. 

Voltei pra casa com contrações a cada 10min. A Fabi e a Larissa vieram me monitorar de novo. Jantamos e fomos tentar dormir. Foi só todo mundo sair que o trem começou a pegar fogo! 1:30 da madrugada e eu liguei pra Rebeca pedindo ÇOCORRO MEL DELS MIM AJUDA que tava doendo PRA CARALHO. Não quis acordar o Lu pq queria que ele descansasse pra cuidar da Aurora no dia seguinte. Ela chegou aqui e eu tava estatelada no chão da sala, chorando de dor e a cada contração me desesperava. Aquelas contrações eram muito diferentes das de pródromos, e eu queria sair correndo de mim mesma pra escapar da dor. Rebeca me acalmou e me ensinou a respirar entre as contrações. Me lembrei das mentalizações e respirações da yôga, e lembrei também de um vídeo que minha professora tinha me passado que ensinava algumas vocalizações pra ajudar a dilatar. Fui vocalizando o "ahhhhhhhh" do início ao fim do parto. Rebeca sentou no sofá e eu no chão, e entre as contrações nós duas cochilávamos e ela me fazia cafuné. 




De manhã, ainda com raiva da Fabi por me dizer que não era trabalho de parto ainda (como se a culpa fosse dela, coitada hahahaha), pedi pra Larissa vir monitorar. Ela monitorou às 6h. Lembro só de ter visto o dia clarear da janela da minha sala e do Lu e Aurora acordarem e fazerem o café. Depois disso o que eu vou relatar ficou meio borrado, pq eu fiquei LOUCONA. 

Às 9h e pouca a Fabi veio monitorar de novo. Segundo ela, assim que ela entrou na porta me ouviu dando uns urros e falou "agora sim começou o trabalho de parto". Eu só lembro delas colocando a touquinha de parto, pois ficou bem marcado pra mim como "agora o parto começou e esse trem vai nascer". Eu tomei a homeopatia diluída na água das 17h do dia 20/4 até a hora em que o bebê nasceu. O Lu pediu pra minha amiga colega de barriga (e filha dela já havia nascido) levar Aurora pra casa dela pra brincar, pois eu já tava gritando loucamentchy. Apesar de ter preparado Aurora os nove meses da gravidez pra assistir o parto (vimos MUITOS vídeos de parto juntas, principalmente os com gritos. Mostrei e expliquei pra ela sobre bolsa, placenta, sangue e tudo o mais), o pouco de racionalidade que me restava dizia que era muito pra uma criança de 5 anos ficar sabe lá deus quantas horas em casa ouvindo a mãe gritar (pq eu não gritei pouco não minha gente!). Lá foi ela. 

Me desliguei totalmente depois que Aurora foi pra casa das amigas. Não lembro do dia passar, só lembro de flashs. Uns dias antes do trabalho de parto, minha mãe me falou pra "desligar de tudo e não pensar" quando a contração viesse, e foi isso que eu fiz. A contração vinha e eu não pensava na dor, não pensava no bebê, não pensava em nada, só em respirar. Me concentrei 100% em respirar. Fui pro chuveiro, pra bola, pro quarto. Deitei e tentei dormir entre as contrações. Lembro de me darem comida na boca e de alguém aparecer com um canudinho pra eu tomar água e suco. Lembro de abraçar Lu e Rebeca. Minha contagem de horas morreu, pq eu esqueci o relógio completamente. Só lembro de me darem almoço e comida ao longo do dia. Depois o Lu me contou que eu, além de berrar igual uma louca, chamei muito o bebê e disse que queria conhecê-lo. Me contou também que eu chorei e em alguns momentos me confundi, achando que quem iria nascer era Aurora. Desse momento a única coisa que eu me lembro foi de pedir desculpas a ela por não ter conseguido protege-la e dar a ela o nascimento que ela merecia.

Eu tinha pedido pra não ter exame de toque e pra só enxerem a banheira no final, então quando ouvi o barulho da maquina enchendo a banheira sabia que o negócio tava acabando. Fabi colocou as pétalas de rosa (tiveram que ser artificiais e esterelizadas por conta do risco de infecção) e trouxeram Aurora de volta pra ver o irmão nascer.
Lembro da Fabi me falar que se eu quizesse, podia fazer força. Fiz força um tempão e nada. Elas até colocaram o espelho pra ver se conseguiam ver a cabeça do bebê, mas não rolou. Elas acharam que eu estava no expulsivo, mas eu não senti puxos nem nada. Saí da banheira PUTA PRA CARALHO pensando "sáporra não acaba". Pedi o primeiro toque do trabalho de parto e estava com 8 cm de dilatação (vai até 10 cm). Perguntei que horas eram (eram 17h e poucas) e falei pro Lu ligar pra minha mãe vir que ainda dava tempo dela chegar aqui no dia seguinte (ela não sabia q eu estava em trabalho de parto).




Nessa altura eu não aguentava mais. Lembro de olhar o celular do Lu e as contrações estarem a cada 1min, durando uns 40s. Fui pro chuveiro de novo e chorei. Já era de noite e tomei um banho pelando pq eu curto água quente. Sentei na banqueta embaixo do chuveiro e queria morrer. Lembro de conversar com a Rebeca e dela me falar pra perdoar todas as mulheres que optam pela cesárea, que agora eu entendia a dor. Falei pra ela que eu já tinha calçado as chinelas da humildade há 5 anos atrás, e que desde então eu tinha decidido não julgar a maternidade das outras. 



Pedi pelo amor de deus pra aquilo acabar. Não aguentava mais. Eu tinha combinado com todo mundo que eles só me levariam pro hospital se eu ou o bebê estivessem em risco, mesmo que eu pedisse por analgesia. Rebeca novamente me ajudou com sua sabedoria e me falou que eu já tinha superado o parto de Aurora, que já tinham passado as 36h de bolsa rota do nascimento dela, e que eu estava construindo uma ponte para as mulheres com aquele parto. Que meu parto era o primeiro em 26 anos na minha família e na do Lu, que ía ser o primeiro parto domiciliar planejado de Lavras e que serviria de inspiração pra outras pessoas. Lembro de falar pra ela que eu não queria ser inspiração pra ninguém, que eu só queria que a roda do carma girasse em meu favor porque eu merecia aquele parto. Eu conquistei cada momento daquele parto, e eu merecia que o universo dessa vez me deixasse ser feliz. 

Lembro do Lu me apoiar deitada na cama e cantar a "nossa música" no meu ouvido pra eu me acalmar, e foi muito gostoso poder viver esse momento com ele. Foi um momento muito feliz do meu trabalho de parto.

Tomei mais um pouco de vinho nessa hora, pois tava doendo muito e eu precisava de algo que me ajudasse a relaxar. Rebeca sugeriu fazer um toque e descolar as membranas, caso houvesse algum restinho ainda. Estava com 9 cm e a Fabi descolou o restante das membranas e falou que o colo tava quase completamente dilatado, e que se eu quizesse podia empurrar que o colo ía ceder e o bebê ía nascer. Não senti nenhum puxo. Nessa hora conversei grosso com o bebê e chamei ele na xinxa dizendo que ele precisava nascer, que nós queríamos conhecê-lo e estávamos prontos pra recebê-lo. Eu sabia o que fazer e como expulsar o bebê porque tinha treinado usando um aparelho que chama Epi-no, então agachei e exatamente no mesmo lugar e na mesma posição que eu usava o aparelho, resolvi quemeu filho ía nascer. Segurei no berço que tava do lado da minha cama, dei a mão pro Luciano e começei a fazer força. Fiz força e segurei, pro bebê não voltar a subir, e fui fazendo isso em todas as contrações. A Fabi colocou uma toalha e um espelho, e na hora que eu vi o cabelinho dele finalmente eu acreditei que meu bebê ía nascer de parto, na minha casa, e que tudo tinha dado certo. Foram 4 contrações e ele nasceu. Não deu tempo de Fabi colocar as luvas e de Luciano e Aurora trocarem de lugar pra ver o bebê nascer de outro ângulo. Fabi pegou o bebê e tirou a meia laçada que tinha de cordão,e em menos de 1 segundo eu já tinha puxado a criança da mão dela e tava lá conferindo os documentos pra ver se era menino ou menina. :) 

Aurora acompanhou parte do trabalho de parto, o nascimento do bebê e da placenta e os três pontinhos na laceração que eu tive (ela quis ver dar os pontos, desconfio que vá seguir alguma profissão na área de saúde :). Deixei ela ver porque ela tava muito tranquila e confortável com a situação, e na segunda-feira foi lá contar pros amiguinhos da escola como tinha sido legal ver o irmãozinho nascer, a placenta sair. 



Da placenta foi feito um desenho e ela está no meu congelador, aguardando ser plantada. 

Alguns dias depois, minha filha me perguntou aonde a placenta dela tinha sido plantada. Me deu um nó no estômago e falei pra ela que no hospital onde ela tinha nascido, o médico não guardou a placenta e eu não tinha podido vê-la, ela tinha sido jogada fora. Ela me falou "que pena mamãe. Que bom que o Dante nasceu em casa e que não jogaram a placenta dele, senão você teria ficado muito triste de novo". Tive certeza de que ela, apesar de ser tão pequena, compreendeu que o problema não havia sido o nascimento dela, e sim o tratamento que tivemos. 



Dante nasceu no dia 21 de Abril, dia de Tiradentes, contrariando sua mãe e nascendo no primeiro dia de touro (eu queria um ariano hahahaha), também no primeiro dia de lua cheia e em lua de Ogum. Nasceu com 3,530kg e 49cm, após uma cesariana e depois de 86h de bolsa rota, na minha casa, ao lado da cama em que foi feito, na presença da irmã e do pai. Foram 11h de trabalho de parto. Curei minhas feridas e consegui fechar um ciclo com esse parto. Renasci como mulher e como mãe, e encontrei a força que eu sabia que tinha dentro de mim. Nunca vou esquecer de minha amiga Simone me falando que não fui eu quem falhei no nascimento da Aurora, e sim o sistema que falhou comigo. Essa frase ficou marcada na minha memória e sou muito grata por você tê-la dito, minha amiga querida. 

Se meu obstetra tivesse na cidade provavelmente ele teria se agoniado com o tempo de bolsa rota e iria querer induzir meu parto. Se meu parto fosse no hospital, eu teria tido outra cesariana por conta dos protocolos hospitalares pra bolsa rota.

Apesar de doer muito, a dor de um trabalho de parto nem se compara a um pós-operatório de uma cesárea. Eu tive os dois e posso falar com a boca cheia que dói muito menos ter um bebê em casa do que num hospital com anestesia e etc. Após a cesárea eu me senti quebrada, inútil e arrebentada. Depois de parir eu me senti eu, inteira, sem pedaços e sem ter que juntar os caquinhos. Isso fez toda diferença pra eu passar um pós-parto tranquilo.



Agradeço ao meu marido e minha mãe, pelo apoio incondicional. À minha filha, por me ajudar, me amar e me ensinar a ser um ser humano melhor todos os dias. À minha equipe fantástica pelo esforço, por topar comigo esperar e quebrar todos os protocolos hospitalares. À Rebeca Charchar por me auxiliar nesse parto que durou cinco anos. E às minhas amigas por me ajudarem a ter uma gravidez tranquila e feliz. :)


sábado, 7 de maio de 2016

Pelos direitos dos meninos

Quando eu fiquei grávida pela primeira vez, torci muito pra ser um menino. Eu nem sabia o que era feminismo na época, mas sabia que não queria colocar mais uma mulher nesse mundo. A hora em que o médico disse "é uma menina", eu só consegui dizer "Porra Luciano, pra quê vc foi mandar o X?". Eu não sabia o porquê, mas não queria de jeito nenhum ter uma filha. Lembro de pensar "puta que pariu, mais uma sofredora nesse mundo"

Passei os nove meses da gravidez tentando achar uma saída pra conseguir criar uma mulher autônoma, que não fosse limitada pelo contexto social. Não queria que minha filha fosse uma vitima da sociedade. Queria destruir todas as estatísticas que gritam que meninas sofrem mais abusos, mais estupros, violência obstétrica e violência doméstica. Queria, literalmente, enfiar Aurora de volta na barriga. Até hoje eu e o pai dela fazemos um trabalho de tentar valoriza-la, de não aceitar limitações de gênero e tudo o mais. Não queria e nem quero que minha filha vire estatística. E é muito, mas muito desgastante. É um trabalho diário convencendo-a a nadar contra a corrente, a não aceitar quando os meninos não a deixam jogar futebol, a incentivar a ser esperta e inteligente, a pensar numa profissão ao invés de mofar esperando um príncipe encantado. É falar todo dia que ela não precisa ser bela, recatada e do lar, que ela pode ser o que quiser (inclusive, se quiser ser bela, recatada e do lar, tb pode, desde que seja por escolha e não imposição social). Sempre achei que ter menino fosse mais fácil, que eu não teria que me preocupar tanto se ela fosse um menino. Santa ingenuidade.

Daí que eu engravidei de novo. Dessa vez resolvemos não saber o sexo do bebê, porque pra nós não importava e seria uma emoção muito legal descobrir na hora do nascimento. Foram 9 meses rodando lugares e catando roupa unissex. Foram 9 meses ouvindo merda de gente na rua que era melhor ter um casal pra ficar mais bonitinho. E eu passei 9 meses falando que queria outra menina, por puro despeito mesmo e pra evitar falatório de gente tosca na minha orelha.

Mas a possibilidade de ser um menino me trouxe certas coisas a tona. Conversei muito com o Lu sobre infância, sobre padrões que a sociedade impõe nos guris desde cedo e comecei a ficar meio assustada. A realidade das meninas eu conheço, pq afinal de contas eu fui uma menina na sociedade brasileira não tem muito tempo, mas a dos meninos era um completo desconhecido pra mim. Não sabia nem limpar um pinto direito, que dirá saber dos dramas infantis dos muleques.

O bebê nasceu, e tcharam, é um menino. Eu não tinha noção do que é ser um homem numa sociedade patriarcal até o Dante nascer e eu tomar um banho de balde de merda na cabeça já nas primeiras horas de vida: "e o tamanho do saco dele? é grande?", algumas pessoas perguntavam. Depois, quando saímos na rua, alguns conhecidos vinham logo dizer "nossa, ele tem mt cara de hominho, vai ser disputado". Ou então "esse vai dar trabalho hein?". E o garoto só tem 17 dias. DEZESSETE DIAS DE VIDA. Estou, até agora, chocada. Quer dizer, ele JÁ tem a obrigação de ser um garanhão, macho viril, reprodutor e HETERO. Não pode tratar mulher igual gente, pq já tem a obrigação social de "dar trabalho" no melhor estilo "prendam suas cabras que meus bodes estão soltos". Não pode usar roupa colorida, tem que ser azul, pq senão a tia da padaria não vai saber que é um menino, afinal de contas, onde já se viu homi usar a roupa rosa que herdou da irmã? E se ele for gay? E se ele for hetero, e mesmo assim quiser usar rosa e ser um cara sensível, qual o problema?

Eu olho pro lado e vejo esse bebê, lindo, rosado e bochechudo que, por acaso, também tem um saco e um pênis, e não consigo pensar em nada mais do que "quero que ele seja feliz". Dane-se se ele vai "fazer sucesso com as mulheres", se vai jogar futebol, se vai beber com os amigos assistindo a libertadores no maior estilo clichê masculino, se vai chorar quando der vontade e brincar de casinha com bonecas se quiser. As escolhas são dele! Ele, nem nenhum menino, precisa ter a obrigação de ser viril e conquistador. É MUITA coisa pra uma criança tão pequena.

E, pra coroar com chave de ouro, conversando com amigas descobri que meninos também são tão abusados quanto meninas. Que a diferença é que, por conta dessa palhaçada de contexto social, os meninos não falam. Que os meninos são obrigados a acharem o abuso uma coisa boa, pois ter alguém mexendo no pênis dele deveria ser motivo de orgulho e virilidade, independente da vontade deles. E que, pro meus espanto, vou ter tanta ou mais preocupação com o meu filho, justamente porque a sociedade brutaliza os meninos na mesma proporção em que fragiliza e incapacita as mulheres.

Ao mesmo tempo em que me dei conta disso tudo, também percebi que, apesar de óbvio, o patriarcado também oprime os homens. Que ser obrigado a estar de pau duro o tempo todo também faz mal. Que não ter direito de chorar porque "é coisa de mulherzinha", que não poder pedir colo pra mãe, é tão escroto quanto dizer que uma menina não pode fazer determinada coisa porque ela é menina. E que mudar de perspectiva é importante pra não ficarmos engessados. Principalmente, que eu vim pra esse mundo pra pagar a minha língua e engolir todos os meus preconceitos em uma encarnação só, pq justamente quando eu achei que tava "salva", me vem mais um desafio.


quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Medidas pra enfrentar a crise hídrica a longo prazo


Não sei se eu já cheguei a comentar aqui, mas eu trabalho com ecologia vegetal. Esse ano muita gente vem falando seca e etc, e queria dizer que isso é tudo mentira. Não existe seca nenhuma, tá chovendo do mesmo jeito que chove nos outros períodos (uns anos chove mais, nos outros menos e sempre foi assim) e que a falta de água era tragédia anunciada a pelo menos uma década. Se falta água é porque a gente vota errado, consome errado e não se preocupa com o que tem que se preocupar. 
Eu ouvi a minha vida inteira que eu sou eco-chata, radical e xiita, e hoje fico feliz que as pessoas estejam aprendendo (mesmo que a duras penas) a ter alguma consciência ecológica - já que aparentemente não aprendemos nada com os apagões de 2001. A culpa não é do PT, não é do Alckmin e essa é a hora de todos assumirmos responsabilidade: a culpa é da pessoa que te encara no espelho. A culpa é nossa que a água esteja acabando, pois deixamos a tv ligada sem ninguém assistir, fazemos churrasco todo final de semana e compramos, compramos e compramos muito mais do que precisamos. Enfim, nessa vibe de repensar as coisas, resolvi escrever esse texto porque em alguns grupos que eu participo as pessoas estão começando a acordar sobre esse assunto e se mobilizando. Espero que a sociedade no geral comece a conseguir pensar a longo prazo e que haja uma mudança de mentalidade coletiva, pq senão vai faltar água mesmo e acabou-se.

- consumir menos, bem menos, em termos de coisas embaladas e tudo o mais. dê preferência pra alimentos frescos e não industrializados.
-por falar em consumo, compre mais roupas, pq água não dá pra ficar comprando, mas ter mais roupa ajuda a economizar nas lavagens e etc.
- use ao máximo que conseguir as roupas que vc tem. ao invés de trocar todo dia, usa até ficar insuportável.
- Comer menos carne também é essencial. Um kg de boi conseme quase 15mil litros de água pra ser produzido. O desmatamento da amazônia é, em grande parte, culpa do agronegócio e do mau uso da terra. 
Tem receitas sem carne e sem leite maravilhosas no papacampim veg
- pode parecer ridículo, mas não comprar coisa da china tb é uma parada interessante pra se pensar em termos de mundo, pq eles poluem pra caralho e desmatam horrores.
- comprar produtos de beleza com certificação orgânica ou selo verde garante que o impacto que foi necessário pra confecção do produto é mínimo.
-educar os filhos pra poupar água e ter consciência ecológica. "deixar filhos melhores pro nosso planeta".
- hortas coletivas em espaços comunitários. tem um pedacinho de terra no parquinho? planta alguma coisa! cabe um vaso no playground do prédio? planta! qualquer espacinho dá pra fazer uma hortinha legal.
- pra quem mora em apartamento, coloque vasinhos nas janelas com plantas do tamanho que der. todo verde ajuda
- plante árvores em espaços coletivos. tem várias iniciativas e vc pode se voluntariar em alguma delas. Árvore é a única coisa que segura água e protege as nascentes. 
- ver projetos de recuperação de matas ciliares, pq são elas que protegem os leitos dos rios. se puder se engajar ou divulgar esses projetos, todos ganham.
- No vida organizada tem muita dica fantástica. 
 - composteira em casa também ajuda a reduzir o volume de lixo, que contamina menos os leçois freáticos e etc. aqui ensina a fazer uma composteira simples: 

 - trocar livro de papel por e-book. tem vários aplicativos tipo o kindle, kobo, ipad e até smatphone que lêem livros em pdf e outros formatos. -> menos papel, menos desmatamento, mais árvores, mais água
- o mesmo do livros vale pras revistas e jornais. muitos deles já veem em formato digital hoje em dia. é a mesma lógica do papel.
 - organizar feiras de trocas também é uma ótima. a gente sempre acaba precisando de algo ou as crianças perdem roupas e calçados, brinquedos. trocar é uma ótima forma de conseguir coisas novas sem gerar mais consumo.
-  No jardinagem libertária tem muita coisa sobre hortas coletivas e urbanas

E tudo o que vc fizer a partir de agora tem que ser pensado a longo prazo. tem que repensar as relações de consumo, pensar sempre se precisa mesmo comprar e ter tanto, se não dá pra ir a pé ao invés de usar o carro, se não rola de plantar uma trepadeira na varanda pra não precisar ficar com o ar condicionado ligado o dia inteiro por causa do calor, tacar semente em todos os lugares possíveis (terrenos baldios, casas abandonadas).

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Alergia a proteína do leite de vaca


Sumi mas revivi. Ando morta com farofa com as coisas da faculdade e da vida e não tem rolado muita inspiração pra postar aqui no blog, mas pretendo mudar isso de alguma forma. Dadas as devidas explicações, vamos ao texto.



Não sei se eu cheguei a comentar aqui, mas no final do ano passado descobrimos que Aurora tem alergia a proteína do leite de vaca. Não é intolerância a lactose, nem alergia ao leite, que são coisas completamente distintas. Vou falar um pouquinho de cada coisa baseada no conhecimento que eu adquiri nesse 1 ano de mãe de alérgica e que fui acumulando através de leitura de grupos especializados no tema no facebook, artigos científicos e rotina.

A intolerância à lactose é a dificuldade ou a incapacidade de digerir o açúcar do leite (essa parte eu copiei igualzinho a minha amiga Ane Aguiar me explicou). Em geral pessoas intolerantes tem reações mais brandas quando entram em contato com o leite, que podem variar de desconforto abdominal e diarréia a vômitos e outros sintomas mais "amenos". Costuma ser mais comum em adultos, sendo poucas as crianças de fato intolerantes.

A alergia a proteína do leite de vaca é uma coisa um pouco mais complexa. Em geral aparece no primeiro ano de vida e costuma curar (se tomados os devidos cuidados) por volta dos 6 ou 7 anos. Segundo o gastropediatra da Aurora, se depois dessa idade de vida a criança continuar a manifestar os sintomas da alergia, provavelmente ela será alérgica pro resto da vida. Esse tipo de alergia consiste numa reação do sistema imunológico, em que o corpo vê aquela proteína como um organismo estranho, liberando anticorpos. É muitissímo comum em crianças (estima-se que aproximadamente 60% das crianças tenham esse tipo de alergia) e tem cura.

Existem dois tipos de alergia a proteína do leite de vaca: a alergia mediada e a não-mediada. Em crianças com alergia do tipo mediada, o diagnóstico é mais fácil, pois em geral esse tipo de alergia pode ser rastreada através de exames de sangue. A criança com alergia mediada, quando em contato com os produtos que provocam as reações, manifestam sintomas como vermelhidão no local que foi tocado, pontinhos vermelhos tipo picada de mosquito no corpo, inchaço, vômito, diarréia e até choque anafilático. É muito importante fazer essa diferenciação, pois os alérgicos tem um problema muito maior com o leite do que os intolerantes, visto que esse tipo de alergia pode provocar choque. Se um intolerante entra em contato com o leite, ele vai passar mal por um tempo e em geral fica tudo bem, mas se um alérgico entrar em contato com esse tipo de alimento, pode ter um choque e necessitar de cuidados médicos urgentes. Conheço inúmeras mães de alérgicos mediados que, dentre todas as coisas que a gente carrega quando sai de casa com uma criança pequena, precisa andar com adrenalina dentro da bolsa pro caso da criança entrar em choque e não acontecer algo mais grave.

A alergia não-mediada, que é a que Aurora tem, é a mais chata de todas no sentido do diagnóstico, pois não é possível rastrear com exames comuns. A criança não-mediada apresenta sintomas brandos, porém persistentes, que vão debilitando a longo prazo devido à dificuldade em se fechar o diagnóstico. No caso de Aurora, o sintoma recorrente foi o não ganho de peso. Aurora passou 1 ano sem engordar e crescendo pouco. Ela sempre foi uma criança pequena e magra, mas chegamos ao ponto em que ela estava abaixo da curva vermelha de ganho de peso (e eu já arrancando os cabelos) e graças a minha anjo Ane, conseguimos fechar o diagnóstico. Aurora, além de não ganhar peso, tinha diarréias frequentes que duravam 10 dias, todos os meses. No começo achamos que era virose da creche, mas com o passar do tempo e depois de rodar 6 pediatras e um alergista sem diagnóstico, começei a fuçar o que poderia ser isso e finalmente descobrimos.

Os sintomas da alergia são muito inespecíficos. Tem criança que faz cocô com sangue e/ou muco, algumas apresentam sintomas semelhantes ao refluxo, inchaço, catarro frequente, vômitos, diarréia, vômitos com sangue, irritação cutânea, assadura persistente e que vai se agravando ao longo do tempo e mais uma série de coisas peculiares que deixam os pais malucos. É importante salientar que no caso de sintomas gástricos o alergista não vai resolver o problema, e que o ideal é o trabalho conjunto dos dois.

As chances de cura são grandes se a família (e aí tem que ser todo mundo!) entrar no jogo e excluir definitivamente os produtos com leite e derivados da casa. Também é necessário fazer o controle de traços da proteína do leite. Os traços são pequenos "restos" de proteínas que ficam nos alimentos e utensílios utilizados pra preparar a comida. Nesses casos, o recomendável é trocar as panelas da casa ou separar uma panela nova para cozinhar apenas os alimentos que a criança vai poder comer. Até o pão da padaria pode ser o vilão, pois a gente nunca sabe se a bancada estava limpa quando o padeiro foi fazer a receita, se a moça utilizou o pegador no pão doce com leite e depois foi pegar o pão normal, enfim. Aqui tivemos que trocar tudo, até a bucha da pia pra não contaminar as coisas de Aurora. Compramos uma máquina de pão e fazemos pão em casa e dificilmente comemos na rua. O sacrifício é grande, mas ver seu filho ficar só pele e osso é pior ainda.

As chances de cura também aumentam muito se a mãe amamenta (nesse caso a mãe também tem que fazer dieta de restrição de leites e derivados) pois o leite materno tem efeito similar a um cicatrizante no organismo da criança. Outro fator que o gastropediatra da Aurora falou e que eu desconhecia é que ter parto normal é extremamente benéfico pra criança pois, ao passar pelo canal vaginal, o bebê entra em contato com as bactérias da vagina da mãe e isso faz com que a criança receba "up" no sistema imune. Outra coisa que me chamou a atenção foi quando o gastro tocou no assunto das cesarianas, principalmente porque, segundo ele, os pediatras brasileiros estão sendo cobrados em congressos internacionais a responder sobre os números abusivos de partos cirúrgicos no Brasil, que levariam a um aumento considerável na taxa de nascimentos prematuro e... TCHARAM, aumenta o número de alérgicos! Não conseguí checar essa informação pois o meu acesso ao publimed e outros periódicos especializados em medicina é restrito, mas sinceramente? Pra mim essa informação faz todo sentido do mundo.

É importante lembrar que crianças alérgicas não podem consumir produtos do tipo "sem lactose" ou "lactose free", pois esses produtos ainda contém as proteínas do leite que provoca reações. Produtos sem lactose não contém o açúcar do leite, que provoca reações em pessoas intolerantes. Alérgicos não devem consumir esses produtos de forma alguma!

Vou deixar abaixo um vídeo bastante completo sobre o tema com uma entrevista que eu dei pro jornal local daqui de Lavras.



abaixo alguns links de grupos de apoio a mães de alérgicos que eu participo no facebook e que me ajudaram muito a manter a sanidade mental, indicando profissionais, dando colo quando eu achava que a coisa tava feia, passando receitas fantásticas pra substituir as coisas que eu tinha vontade de comer e, principalmente, que passam um tipo de informação tão específica que pouquissímos médicos tem pra passar pra quem vive essa realidade de alergia.

Meu Filho é Alérgico a Leite: https://www.facebook.com/groups/mfal1/?fref=ts
Amigas da Alergia: https://www.facebook.com/groups/200704536609856/?fref=ts
Grupo Virtual de Amamentação (lá tem muita mãe de alérgico e é indispensável que as mães que queiram amamentar entrem nesse grupo!): https://www.facebook.com/groups/266812223435061/?fref=ts

Peço desculpas se houver alguma informação equivocada ou coisa do gênero, então por favor, se você ver algum erro conceitual nesse texto, me avisa que eu corrijo ok?

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Parto normal após 3 cesáreas (VBA3C) da Vanessa Pangaio


Aproveitando a deixa do programa "Encontro" da Fátima Bernardes em que a Vanessa participou lindamente falando sobre parto normal, publico aqui o relato dela.


Minha história como mãe....
            Não teria como relatar minha conquista do meu parto normal sem contar toda trajetória das minhas gestações anteriores. Minha vida como mãe começa aos 16 anos quando fiquei grávida pela primeira vez, até então tinha na cabeça que teria um parto normal mais quando comecei a ter as contrações que achávamos que já era pro parto liguei pro médico o mesmo me mandou ir ao hospital e disse que ainda não tava dilatando que provavelmente demoraria muito ainda, eu sem informação e com muita ansiedade  em conhecer meu primeiro filho me deixei levar pelas palavras dele e cai na primeira cesárea em 14/09/1999, onde nasceu Fernando. A segunda gravidez demorou pra acontecer engravidei novamente no ano de 2007 e a DPP do João Vitor era próxima do aniversário do meu esposo então ainda sem muita informação sobre os riscos de uma cesárea eletiva e querendo presentear meu esposo com o nascimento do nosso filho, caí na segunda cesárea segundo o médico eu a merecia. A terceira gravidez aconteceu em fevereiro de 2010 nessa eu já queria muito um parto normal , pois a recuperação de uma cesárea era muito difícil e dessa vez eu ia ter que me virar sozinha pois minha mãe estava trabalhando e não teria como me ajudar, mais quando questionava os médicos pelo parto normal , eles vinham com aquela resposta " seu útero não aguenta, se você entrar em trabalho de parto ele vai romper", e com toda pressão de casa desisti pois achei que eu era louca e estava colocando tanto minha como a vida de meu filho em risco sem real necessidade, então no dia 29/12/2010 nasceu Gabriel, fiquei frustrada, não me conformava em ter desistido do meu parto , não consegui amamentar,era como se involuntariamente eu o rejeitasse, chorei muitas vezes por me sentir incapaz de ter lutado pelo que eu queria, dessa vez roubaram meu parto, eu me permiti , não briguei pelo que eu queria, minha recuperação foi horrível, sentia muitas dores na cicatriz, e além de tudo havia ficado uma marca na alma. Então quando o Gabriel tinha uns três meses engravidei novamente, fiquei apavorada com a idéia , mais logo depois foi constatada que era uma gestação anembrionária e com aproximadamente 12 semanas meu corpo se encarregou de fazer o aborto, fiquei triste com tudo isso, mais tinha que seguir em frente.  Foi aí que falei com meu esposo quero fazer um plano de saúde, pra quando tivermos outro filho eu escolher como quero que ele nasça, tola eu não sabia  como estava o sistema obstétrico no nosso país. Daí num descuido de um dia veio a quarta gestação,não estava nem atrasada e já sabia que estava grávida. Comecei a fazer o pré-natal com GO do plano e em torno de 12 semanas comentei com o médico que queria ter normal , não queria ser submetida novamente a outra cirurgia, daí ele me sentenciou a morte, me chamou de louca, fez questão de escrever no meu prontuário para que caso eu viesse a óbito minha família não o processasse, mais dessa vez não me deixei abater, argumentei com ele que era possível sim e que iria correr atrás do meu desejo .  Deus então colocou na minha vida Aline Amorim (doula) que teve toda paciência em me mostrar que com plano não ia parir de novo,  me vi perdida , como em seis meses ia conseguir o dinheiro pra pagar uma equipe pra realizar meu sonho de parir, porque eu sabia que era capaz e queria muito, então comecei a buscar e algumas meninas dos grupos Parto Natural, VBAC, GPM e Fralda de Pano Moderna  resolveram me ajudar ganhei algumas coisas e comecei uma campanha pra levantar o dinheiro pra poder pagar a equipe. Não tenho como deixar de dizer que nessa gravidez Deus me abençoou grandiosamente, minha saúde estava perfeita, pessoas do Brasil todo se mobilizaram por mim, confiaram na minha capacidade e resolveram abraçar minha causa,  fui as reuniões do ishtar onde cada vez mais ficava certa de que eu ia conseguir, claro que tinha alguns medos mais que não me deixaram abater,  enfim com muita luta consegui arrecadar todo o dinheiro do parto, só faltava agora chegar a hora dele nascer... 
      Enfim a hora chegou...
    No domingo do dia 25/11/2012 passei o dia me sentindo desconfortável estava com 41 semanas e nada havia acontecido, meu marido que estava no Rio tinha que vir pra casa eu não queria que ele viesse era como se meu eu já soubesse que as coisas iam acontecer, pois bem aproximadamente  às 4:00 da manhã a bolsa rompeu logo vieram as contrações, liguei pra Aline pedindo que ela viesse e já fiquei no chuveiro, relaxando um pouco... Logo Aline chegou e ficamos conversando, as contrações vinham, mss eu consegui suportá-las , Aline fazia massagens por algumas vezes, outras vezes eu ia pro chuveiro, conversávamos e assim o tempo passava e eu não percebia, logo chegaram Maíra e Valéria, Maíra (parteira) monitorou Raphael e seus batimentos sempre ótimos, conseguia relaxar bem entre uma contração e outra e em alguns momentos consegui até cochilar...Maíra precisou ir embora buscar seu carro e Valéria trocar a câmera pois tinha pego a do seu esposo, acho que não esperavam que fosse tudo acontecer tão rápido..rsrs... realmente não consegui ver o tempo passar, por volta de 15: 00 comecei a sentir os puxos do expulsivo, veio a vontade de fazer força, era incontrolável, essa parte pra mim foi a mais tensa, ainda estava em casa... Aline logo pediu que chamasse o táxi , minha mãe ficou nervosa com receio que nascesse em casa, enfim com muito custo consegui descer as escadas e entrar no táxi,nessa parte lembro vagamente das coisas, na chegada no hospital mais problemas não queriam fazer minha internação alegando não ter vaga e que só trabalhavam com procedimentos agendados ou seja "cesária", mas depois de muita luta da Aline e Valéria e de quando arrumei forças pra descer do táxi , Maíra me auxiliou até a recepção, lá veio outro puxo e vontade de fazer força, me agachei no chão e veio aquele gemido e rapidamente vieram com a maca... às 16:41 aproximadamente pois ninguém lembrou de ver a hora Raphael nasceu na banqueta de cócoras após três forças, foi um momento mágico maravilhoso, poder sentir seu corpinho passando pelo canal , nosso primeiro momento junto não foi roubado logo ele veio pro meu colo e mamou, pude senti-lo quentinho , escorregadio e com aquele cheirinho delicioso, nesse momento só me veio na cabeça os meus partos roubados os filhos que não pari por culpa desse sistema obstétrico que nos levam a fazer cesária, ali nasceu junto com o Raphel uma nova Vanessa que soube que era capaz que podia sim, sentir suas contrações, sentir os puxos do expulsivo e trazer seu filho ao mundo de forma natural, sem ocitocina, sem analgesia , enfim sem esses procedimentos rotineiros... Rapha nasceu em 12 hs de trabalho de parto com 50 cm, 3,650 kg e apgar9/10 e tive uma pequena laceração e só fiquei trsite porque meu marido não pode participar...
        Não sou muito boa em escrever e expressar meus sentimentos espero que com esse relato vocês consigam vivenciar toda minha felicidade em ter conquistado o meu tão sonhado parto ... e quero agradecer demasiadamente Aline Amorim minha doula que sempre teve muita paciência comigo e me mostrou esse mundo tão maravilhoso da humanização..Marcos Nakamura obrigada por ter me passado tanta confiança me mostrando que era possível sim, Ana Fialho, Karine Vasconcellos, Malila Wrigg, Maíra Libertad, Valéria Ribeiro,Ingrid Lofti, Juliana Fernandes Monteiro, Luciana Fernandes, toda mulherada do Ishtar e enfim aos grupos de parto que faço parte  que contribuiram comprando as rifas para que eu pudesse pagar meu parto e conquistar meu VBA3C...

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Parto normal após cesárea com 13 meses de intervalo! (VBAC da Thais Costa)

Lembram da Thais, que eu coloquei o relato aqui? A Thais sofreu violência obstétrica no nascimento da primeira filha e estava tentando um VBAC (parto normal após cesárea). Aqui vai o relato:






Desde o nascimento da Cecília nós usávamos camisinha e coito interrompido quando dava tempo de fazer alguma coisa,  dia  11/09/11 tivemos um “acidente de percurso com a camisinha” teoricamente eu não estava no período fértil, mas como só havia menstruado uma vez após o nascimento da Cecília,  eu tomei a pílula do dia seguinte para desencargo de consciência, ela tinha menos de 5 meses e engravidar de novo era algo inimaginável por vários fatores:  idade da Cecília, financeiro, profissional, psicológico e o que mais pesava era a forma como a Cecília havia nascido. Gravidez pra mim era algo ameaçador, era correr o risco de passar todo aquele horror de novo, de ser cortada e agredida novamente. 
Porém, só dia 24/09 fazendo lista de supermercado me dei conta de que não havia usado o pacote de absorventes do mês anterior. Quando fiz as contas senti um gelo na espinha... Estava com 4 dias de atraso, como seria meu 2º ciclo menstrual após a Cecília, eu pensei que pudesse ser um descontrole fisiológico e me acalmei, comprei um teste de farmácia só por desencargo de consciência e fui pro banheiro. Fiz xixi no palitinho e quando trouxe pra perto dos olhos já estava lá a 2ª listra aparecendo tímida e ficando cada vez mais forte.
Gritei meu marido  do banheiro e comecei a chorar desesperadamente.
Eu estava grávida de novo! 
Meu marido com seu otimismo irritante se agarrava ao 0,01% de margem de erro do teste de farmácia, fiz de outra marca e deu positivo também.  O dia amanheceu e fui pro laboratório, quando puncionaram minha veia percebi o sangue mais ralo por causa da hemodiluição fisiológica da gravidez... Antes mesmo do resultado comecei a me conformar com a minha nova condição de puerpera grávida.
Diferente da primeira gravidez que demorei para aceitar, eu não desejava que aquele bebê não existisse, de certa forma  me sentia  feliz  em saber que  teria outro filho, mas a possibilidade eminente de outra cesariana me atordoava, eu não podia passar por essa vida sem parir um filho, esse sempre foi  um desejo muito vivo em mim, e a falta de grana e o intervalo da cesárea da Cecília me faziam sentir esse desejo escapar entre os dedos.
Por volta de meio dia eu acessei o site do laboratório e já não existiam mais dúvidas, estava lá meu positivo! Gritei meu marido que estava no quintal brincando com os cachorros e quando ele me viu chorando na sala abriu um sorriso enorme e disse que daria tudo certo, que faríamos tudo que estivesse ao nosso alcance para que esse bebê nascesse com respeito.
Eu não tinha muitas opções aqui no Vale do Paraíba, me sentia insegura em tentar novamente um parto domiciliar, precisar de hospitalização e cair nas mãos de outro plantonista infeliz, então saí procurando uma saída para conseguir parir esse bebê.
A Kal que foi minha companheira de barriga na gestação da  Cecília me disse que conhecia um médico  aqui da região que já havia feito alguns partos leboyer , pesquisei na internet e descobri que ele participou do primeiro parto leboyer realizado no Brasil na década de 70. E lá fui eu atrás dele. ..
As consultas eram bem mais caras que o valor praticado aqui na região, a nossa situação já estava  mega apertada, eu ainda recebia a licença maternidade, mas sabia que não voltaria a trabalhar quando ela terminasse,  pagamos aluguel, temos 5 animais em casa e um bebê de pouco mais de 4 meses, mas,  estávamos dispostos a qualquer sacrifício. 
Fui a primeira consulta por volta das 4 semanas de gestação, gostamos dele, era atencioso, trabalhava com evidências e disse que o intervalo não dizia muita coisa, que só diminuía minimamente o risco de ruptura uterina, e que pra ele via de nascimento só se definia em trabalho de parto. Perguntei o valor do parto já na primeira consulta e ele disse que mais pra frente falaríamos disso
 Me pediu uma  USG para a 7ª semana de gestação para termos certeza da idade gestacional dessa gravidez, já que a da Cecília havia chego a 42 + 3 e o capurro dela foi de 39 semanas.
Exame feito, IG batia exatamente com DPP pela DUM e o pré-natal  corria tranqüilo, não sentia com o GO aquela afinidade que se sente com alguém que veste a camisa da militância pela humanização do parto, mas ele era infinitamente mais agradável que os cesaristas que conhecia.
Então, lá pela 22ª semana, sentamos após a consulta para discutirmos os valores do parto.
Ele mais a equipe da qual ele não abria mão ficariam em R$11.000,00. Tentei argumentar  e dizer que os demais membros (anestesista, pediatra e “cirurgião auxiliar”) eu usaria os plantonistas do hospital pelo meu convênio, mas ele disse que era imprescindível um anestesista e um neonatologista de confiança, mesmo eu dizendo que queria um parto natural sem anestesista.
Saímos de lá bem perdidos, nem vendendo nosso  carro daria para pagar tudo, mas como ficaríamos sem carro com 2 bebês? Enfim, meu desespero era tamanho que eu estava disposta a me endividar até a alma caso fosse necessário, mas por mais que eu gostasse da postura do GO não sentia aquela segurança de que ele vestia a camisa do meu parto, de que ele acreditava no protagonismo da mulher, apesar de trabalhar com evidências eu percebia que para ele, o parto era um evento médico!
 Trocando em miúdos, meu parto não era meu, era um acontecimento que dependia dele e da equipe caríssima que ele exigia.
Eu já estava com umas 23 semanas, havia descoberto que quem habitava minha barriga era o Francisco, um menininho que nos deixou muito feliz, comecei a pensar que não era só um parto, eu teria 2 bebês pra cuidar depois e como seria se eu fizesse uma divida tão grande e ainda fosse submetida a uma cesárea desnecessária? Com que finanças e estado psicológico eu receberia essa criança e continuaria a cuidar da que já estava no meu colo?
Eu tinha a opção de parto domiciliar aqui na região, mas eu não me sentia segura, tinha medo de mais uma vez precisar de hospitalização e cair na mão de outro açougueiro, se fosse pra ser assim, eu preferia uma cesa limpinha com acompanhante e sendo tratada como gente. Mas isso me feria mortalmente, não teria outros filhos, logo nunca saberia o que é por um filho no mundo por minha conta, eu me sentia extremamente mutilada só de pensar em ir para uma cesárea eletiva.
Nessa fase eu tive a sorte de poder contar com a amizade, carinho e torcida ferrenha de pessoas que mesmo de longe conseguiram se fazer tão presentes na minha vida, mulheres incríveis que eu  conhecei na GPM do Orkut e se tornaram uma grande parte do meu alicerce nessa gravidez   e as meninas no grupo de mães de março de 2011, irmãs que acompanharem o meu sofrimento com a cesárea da Cecília e torciam muito para que Francisco viesse de forma muito diferente.  Caçaram por todos os cantos contatos de parteiras e obstetras pra mim, Jamila me ofereceu até sua casa, caso eu quisesse um PD com alguma equipe de SP. Sentia de todo o coração que elas torciam como se fosse pelo parto delas e isso foi importante demais pra mim.
Então conversei com meu marido e chegamos a conclusão de que buscaríamos um GO humanizado em SP ou São Carlos, cheguei a fazer alguns contatos, até que me lembrei que li certa vez( não me lembro onde) que existia uma parteira no litoral norte de SP. Não sabia qual cidade era, nem se era GO, EO , obstetriz ou parteira tradicional, na esperança que fosse uma obstetra, já que eu desejava um parto hospitalar,eu perguntei para Flávia Penido, e ela me  disse que era uma obstetra que atendia em São Sebastião-SP e passou o contato da Drª Bernadette, isso foi a noite e na mesma hora e ansiedade me fez procurá-la pelo face e perguntar se ela aceitava acompanhar VBAC com esse intervalo curto, prontamente ela me respondeu e lá estava a minha tão desejada luz no fim do túnel :
” Não faço restrição para VBAC por conta do intervalo, se pode com intervalo grande, pode com pequeno né?”
Senti um ímpeto de esperança imenso  e no dia seguinte eu já liguei no consultório e agendei uma consulta para  a mesma semana, antes da consulta mandei um e-mail explicando como ia a gravidez e contanto todo horror que passei no nascimento da Cecília.
Finalmente chegou o dia da consulta, foram 2 horas de viagem até São Sebastião, eu, marido e Cecília chegamos lá no finzinho da tarde e  fomos direto pro consultório.
Bernadette foi além das nossas expectativas para uma obstetra, ela não só era favorável ao parto normal, ela era uma militante da humanização, eu me senti tão acolhida e segura, apesar de não conhecer ninguém que tivesse parido com ela rolou uma empatia enorme e ela me passou muita segurança. Combinamos que eu terminaria meu pré-natal aqui em Taubaté e voltaria lá na ultimas semanas e depois só iria quando começasse o trabalho de parto.
Optei por terminar o pré-natal pelo SUS, na gravidez da Cecília eu já havia rodado todos os GOs do convênio e todos eram cesaristas insuportáveis, apesar de saber que teria meu parto com nenhum deles, eu quis evitar o stress das ultimas semanas com pérolas de útero explosivo e etc.
Por volta da 30ª semana eu percebi que quando eu auscultava o BCF do Francisco com o Doppler em casa, o foco estava sempre abaixo do meu umbigo, comecei a suspeitar que ele ainda estivesse pélvico, e com 33 semanas passei por consulta no postinho e de fato ele ainda estava pélvico, fiquei super frustrada! Agora que eu havia conseguido uma assistência legal o menino está sentado, foi um  imenso balde de água fria. Comecei imediatamente a fazer os exercícios para versão expontânea.
Teoricamente eu sabia que ele ainda tinha tempo e espaço para virar, mas não conseguia ficar calma, eu sabia que a minha obstetra acompanhava parto pélvico e era experiente nisso, mas o problema era comigo, eu tinha medo do parto pélvico, medo que só não era maior que o de ter outra cesariana.
Com todo esse stress tive alguns episódios  de hipertensão, mas que sempre normalizavam sem medicação, havia dias em que eu chegava para aula de pilates com a PA 160X110mmHg e só com exercícios de respiração ela voltava para 120X80mmHg,  logo concluí que era emocional, e isso me doeu profundamente, porque a PA alta que me levou ao hospital na gestação da Cecília possivelmente também era emocional já que a pressão pelo pós datismo me massacrava, só que eu não tive chance de me acalmar e ver se a PA normalizava, fui enviada para o hospital e meu sonho de parto domiciliar naufragou.
Mas, não era mais hora de chorar pelo parto que não tive, era hora de tentar me acalmar e ir firme em direção ao parto que eu queria ter.
  Com 34 semanas eu comecei a pensar em versão externa, fiz alguns contatos, acabei chegando até a Drª Carla Polido e quando estava prestes agendar a versão, porque a essa altura eu iria sem problemas até São Carlos desvirar esse menino, fui fazer uma USG para confirmar a posição do Francisco, quando o médico colocou o transdutor na região do fundo do útero eu já com a voz embargada perguntei se era a cabeça dele, e o médico me responde: “A não ser que o piu-piu do seu filho esteja no lugar errado, isso aqui é a bunda dele.”
Eu quase saí pulando da mesa de exame, não coube em mim tanta felicidade, da sala de USG mesmo eu avisei as meninas pelo face de que ele estava cefálico, elas estavam torcendo tanto e tão aflitas quanto eu e mereciam receber a notícia o quanto antes.
A partir daí a calmaria se instalou e consegui relaxar o finzinho da minha gestação, fomos mais uma vez a São Sebastião e acertamos com a Bernadette os últimos detalhes, levamos Cecília a praia e em casa eu fui acertando as coisas que ainda estavam pendentes para a chegada do Francisco, com 36 semanas comecei a perder o tampão bem aos poucos. Eu confesso que esperava passar da DPP, mas, quando bateram as 40 semanas e eu ainda não sentia muita coisa, fiquei ansiosa... Nesse mesmo dia perdi um pouco de tampão com sangue e comecei a sentir contrações irregulares, a essa altura a arrumação do ninho estava ferrenha aqui, eu faxinava a casa todos os dias, arrumava as gavetas, lavava pano dos cachorros e inventava coisas para fazer com a Cecília, tudo pra tentar arejar a cabeça e não ficar caçando sinais de trabalho de parto.
Com 40 e um dia comecei a sentir contrações mais doloridas, então pedi ao marido que fizesse o toque e descrevesse o que ele conseguia, expliquei para ele o que ele poderia encontrar e tomei as medidas básicas de assepsia ( lavagem das mãos e luvas) ele fez e me disse:
“Não tem mais boquinha nenhuma aqui, só uma geleia mole e um buraco”
Nesse buraco ele introduziu 2 dedos e abriu até eu sentir que tava no limite. Medimos essa abertura de dedo e deu 4,5 cm.
Levei um susto, como assim 4,5 cm e eu não sentia nada além de  modestas contraçõezinhas ?
Liguei para a Bernadette e ela achou prudente que eu pedisse para a Patrícia EO de São José dos Campos viesse me avaliar em casa, e ela veio. Na verdade eram quase 4 cm de dilatação e colo estava apagando, mas com bebê ainda alto e poderia demorar um dias.
Aquietamos-nos e continuávamos esperando, assim seguiram mais 4 dias, pintamos barriga, levamos Cecília ao shopping e no domingo, dia em que eu completava 40s + 3 dias fiquei bem nervosa, chegue a chorar com medo do pós datismo outra vez, conversei com a Hellen que havia conseguido um VBAC lindo há poucos dias, foi bom desabafar um pouco e no fim da tarde eu tentei fazer coisas que me tranqüilizavam e fui dormir. Segunda feira eu acordei mega disposta, faxinei tudo de novo, meu marido chegou do trabalho e eu quis ir bater perna na rua, Cecília ia ficar em um hotel com a moça que nos ajuda em casa e eu precisava de uma jarra de vidro para esquentar a água do mamá dela no microondas do hotel.
Comprei a jarra, bati mta perna em lojas e comprei uns brinquedinhos pra Cecília levar, comprei ração para os bichos de casa, deixei a chave com a moça que viria tratar deles na minha ausência, cheguei em casa tomei banho correndo e fui pra aula de pilates, voltamos para a casa por volta de 21:30 e Cecília estava com sono, como ela havia adormecido, e eu estava DOIDA de vontade de comer um sashimi de agulhão de um restaurante japonês perto de casa, colocamos ela no carrinho e fomos. Não faltava  mais nada para arrumar, estávamos apenas esperando o Francisco dar o sinal de que estava vindo.
Entramos no restaurante e fizemos o pedido, assim que chegou à mesa eu ataquei o sashimi, quando ia colocar o segundo pedaço na boca senti um tranco no colo do útero, parecia um encaixe daqueles botões de pressão de jaqueta. Achei mto estranho e tentei me mexer na cadeira, e então foi água para todo lado.  A sensação de Felicidade e euforia que senti é inexplicável. Olhei espantada para o meu marido e disse: “A bolsa estourou!!” Ele riu e disse: Deixa de ser pentelha vai, mas já com os olhos estalados, então ele olhou embaixo da mesa e já levantou desesperado RS..rs.. Não sabia pra onde correr, eu o acalmei, chamei o garçom e pedi a conta, quando se deram conta do que estava acontecendo o restaurante todo se alvoroçou,  parecia que ia nascer ali dentro mesmo.
Saímos e liguei para a Bernadette, ela perguntou como estava o liquido e eu disse que estava abundante, clarinho e sem grumos, então ela disse  para eu ficar calma que o Francisco estava vindo,  que nos esperava lá e era para telefonar de novo quando estivéssemos chegando.
Fomos para casa, colocamos as coisas no carro e Cecília ainda dormia, a colocamos na cadeira e fomos buscar a Carol, que tomaria conta dela no hotel. Por volta de meia noite saímos de Taubaté, eu estava abismada com a quantidade líquido amniótico que eu ainda tinha, lavei o chão do restaurante e estava molhando uma toalha de banho que forrei o banco do carro.
Pegamos uma ventania e uma chuva horrível na estrada, eu estava super tranqüila, mas meu marido por mais preparado que parecia estar, ficou uma pilha. Durante a viagem  eu fui enviando sms para as meninas e comecei a sentir umas contrações bem doloridas, mas espaçadas. Chegamos em São Sebastião 02h:30, fui pro hotel acomodar a Cecília e liguei avisando a Drª Bernadette que eu havia chego, ela disse que estava indo pro hospital me esperar.
Fizemos o check-in, eu tomei um banho e arrumei as coisinhas da Cecília fiz minhas recomendações à Carol, deixei a listinha das atividades dela durante o dia e chegou o momento mais difícil, Cecília estava acordada e eu precisava sair para ir para o hospital, pois meu marido estava quase parindo 2 filhos de ansiedade.
Cecília tava sentadinha na cama brincando com um livrinho de banho, eu olhei para ela e meu coração doeu tanto, era a ultima vez que a via como meu único bebê, segurei a mãozinha dela e enchi ela de beijos, pedi perdão por tudo o que viria depois, por  todas as vezes em que ela sentiria falta da minha atenção exclusiva.  Meu Deus...Como doeu sair daquele quarto e deixar ela para trás, em 1 ano, 2 meses e 23 dias eu nunca havia dormido longe dela.
Ela parecia entender o que acontecia, meu deu um beijo e nem chorou quando sai, eu fiz o trajeto todo sem conseguir dar uma palavra, só conseguia chorar pela saudade que eu sentiria dela.
Chegamos no hospital junto com a Bernadette, meu marido só se acalmou quando a viu, eram mais de 03h:00 uma chuva gelada caindo e ela estava esbanjando bom humor e super entusiasmada com a chegada do Francisco.  Fui para dentro com ela e meu marido ficou na recepção fazendo minha ficha. Ela me examinou e estava tudo tranqüilo, quase 5 cm de dilatação, BCF ok e líquido claro. Fomos para o quarto e eu e Raphael fomos dormir.  Por volta de 05h:00 Acordei com um pouco de dor, meu marido foi tomar um café na padaria próxima ao hospital com a Bernadette e eu fui tomar um banho quente.
Eles voltaram um tempo depois e me trouxeram um lanche, Raphael ficou mais um tempo comigo e eu pedi que ele fosse pro hotel ficar com a Cecília, ajudar a dar café da manhã pra ela e essas coisas e mais tarde voltaria trazendo minha bola e meu radinho com as músicas que selecionei para o parto, Bernadette me disse que estaria o tempo todo no hospital e se eu precisasse era só mandar chamar.
Eu dormi novamente e só acordei por volta das 09:00 com a verificação dos sinais vitais de rotina do setor, tomei café da manhã e não dormi mais, logo meu marido chegou com as coisas que eu pedi. As contrações iam e vinham e a dor delas era absolutamente suportáveis, eu comecei a pedir que meu marido fosse fazer coisas fora do hospital, pedi sorvete, pedi uma revista, pedi pra ir ver Cecília de novo, então percebi que o que eu desejava era ficar sozinha, eu precisava do meu momento de introspecção, algo incrível aconteceria comigo naquele dia e eu precisava me preparar para isso. Expliquei isso à ele e pedi que fosse pro hotel.
Com luzes apagadas eu fiquei sentada na bola, com os braços e a cabeça apoiados na cama ouvindo as músicas que eu levei, algumas me remetiam ao desejo de ver meu filho e ter o meu parto, outras me remetiam a momentos distantes da minha vida, momentos felizes, outros tristes... Alí fui exorcizando todos os meus medos, fui encerrando ciclos antigos os quais a anos eu me recusava a mexer, chorei bastante, senti saudade da minha mãe, lamentei estar morando longe do meu pai e não poder ter ele por perto participando do crescimento dos meus filhos, questionei Deus sobre os gêmeos que havia perdido há anos atrás, mas por incrível que pareça em momento algum senti medo da ruptura uterina que me assombrou durante toda a gestação e logo as contrações começaram a ficar mais próximas e doloridas, mas nada que se parecesse com trabalho de parto ativo. Por volta de 12h:00 Bernadette auscultou o BCF e conversamos um pouco, ela ia dar uma passada no consultório e voltaria logo, então eu pedi que fizesse o toque pra ter uma noção de como estava a dilatação, estávamos em 7 cm e eu espantada porque imaginei que sentiria muita dor até alcançar essa dilatação e no entanto eram só contrações suportáveis e espaçadas.
Voltei a meu momento de introspecção e as dores começaram a vir com mais força, quando percebi que estava brigando com a dor da contração fui pro chuveiro, nisso veio o almoço eu sai, comi, entrei no face pelo celular e dei um alô para as meninas que estavam eufóricas com o meu trabalho de parto e fui ficar mais um tempo na bola.
Por volta de 13h:30 as dores foram apertando eu fui pro chuveiro e não sai mais, liguei pro meu marido e disse que ele podia voltar porque eu não queria mais ficar sozinha, acho que em 15 minutos ele chegou, eu já estava sentindo contrações a cada 5 minutos, levei a bola pra baixo do chuveiro e lá fiquei, Bernadette chegou em seguida e ficaram os 2 conversando comigo da porta do banheiro e eu no chuveiro. Conversávamos sobre várias coisas, entre uma contração e outra eu ria muito, falamos sobre pérolas dos cesaristas, sobre os cachorros de casa, sobre filhos que vieram um atrás do outro enfim...
Por volta de 14:40 as contrações chegaram ao que eu chamaria de insuportável, eu agachava e respirava quando elas vinham e isso ajudava muito, nessa altura eu já estava chorando de dor,
Conseguia juntar na mesma frase puta que o pariu, meu Deus do céu, Nossa Senhora e “Caralho como isso dói!!”
Tentava sair do chuveiro para auscultarmos o BFC mas não conseguia, chegava até a porta do banheiro e vinha outra contração que me fazia correr pro chuveiro de novo. Com muito custo e concentração eu consegui sair, BCF ok e Bernadette fizeram o toque de novo e disse: Já está quase na hora, você decide se quer que nasça aqui ou se quer ir pro centro de parto.
Fiquei ali por mais um tempo e comecei a ficar cansada, o chuveiro do centro de parto tinha barras e era mais espaçoso então fui pra lá. Subi andando de camisola aberta e gritando palavrão RS..rs.. Passamos por outras gestante em trabalho de parto que estavam no leito e entrei no banheiro, liguei meu radinho e mergulhei de cabeça nas contrações, doía demais, mas eu soltava o corpo segurava na barra que estava atrás de mim e me agachava a cada contração que vinha, por dentro eu agradecia muito a Deus por estar conseguindo passar por tudo aquilo, agradecia por tudo ter dado certo e por estar muito perto de ter meu filho nos braços.  Eu já estava gritando bem alto nessa altura, meu marido de olhos arregalados não dizia muita coisa, Bernadette foi vestir a roupa privativa e logo eu pedi para chamá-la porque começou a cair muito sangue no chão, nisso eu já dizia que não agüentava mais, que se demorasse muito mais para ele nascer que eu não suportaria. Então ela muito calma me pediu para ver se eu sentia o Francisco, mal coloquei a mão na vagina e senti a cabeça dele muito baixa, estava quase saindo mesmo. Uffa que injeção de animo, meu cansaço deu um trégua e eu parei de reclama, mas estava muito cansada, quis sair do chuveiro e me sentar no vaso sanitário, também não estava bom assim e pedi pra ir para a mesa de parto, eu queria me sentar, já não conseguia mais ficar em pé. Sai do banheiro sem nem notar que tinham mais mulheres ali em trabalho de parto, fui pelada e gritando palavrão de novo para a mesa de parto, lá pude sentar meio acocorada e segurar nas barras quando vinha a dor.
Meu marido tentando me acalmar e colocar a mão na barriga e eu gritava para ele calar a boca e tirar  mão, eu não queria ninguém com a mão em mim, e assim aconteceu. Bernadette, meu marido e a pediatra assistiam ao que eu mais desejei, eu mesma estava trazendo Francisco pro mundo. Derrepente a dor parou, acho que fiquei uns 5 minutos assim e veio o primeiro puxo, eu não acreditava que estava passando por aquilo, nisso meu marido disse que estava vendo os cabelos dele, eu senti mais uns três puxos desses e comecei a sentir dor de novo, era uma contração que doía e também o círculo de fogo, doía demais e eu acho que por duas vezes gritei que queria anestesia, que queria ir embora dalí e eles me diziam ele está nascendo, ajude o Francisco a sair por que ele está nascendo, mas me bateu um cansaço tão grande que sai do ar, ouvia a voz deles de longe e enxergava tudo embaçado, comecei a vocalizar sem qualquer controle e dessa parte não me lembro, nisso o circulo de fogo veio com tudo comecei a fazer força, mas cheguei a pensar que ele não sairia, olhei para a Bernadette e disse doutoura eu vou parir, ela sorriu dizendo vai sim! Vai parir o Francisco e a Cecília Thaís, força mulher trás o seu filho pro mundo! Nisso fiz uma força que nem eu sabia existia em mim e senti o Francisco escorregando para fora, Bernadette pegou ele com um campo e me entregou. Ele nasceu sem chorar, só deu um resmungo e me olhou com dois olhos tão vivos que me fizeram sentir minúscula diante da grandeza daquele olhar.
Foi o momento mais feliz da minha vida, eu não acreditava que estava passando por tudo aqui, era tão perfeito que chegava a ser surreal.
Francisco dormiu no meu colo e logo senti a placenta saindo, não doía mais nada, só uma sensação boa e quente de parir a raiz que sustentou o meu filho por todos esses meses.
Francisco foi avaliado bem rapidinho com o pai dele junto e já voltou pro meu colo.
Tive uma laceração porque fiz força fora dos puxos, mas nada que tirasse o brilho daquele momento maravilhoso. Sai da mesa de parto andando e fui pro leito do centro de parto e ali fiquei com Francisco até irmos pro quarto.
Pela primeira vez eu não amaldiçoei a cesárea desnecessária que sofri, graças a ela eu pude enxergar toda  a grandeza de parir um filho após uma cesariana recente nesse pais que conta um sistema obstétrico podre e mentiroso.
Existem sim muitas maçãs podres, mas cada obstetra de fato humanizado que tenha proporcionado a uma mulher a felicidade que a doutora Bernadette Bousada me proporcionou quando acreditou na minha capacidade de parir meu filho vale por centenas dessas maçãs podres.
Serei eternamente grata a Deus por ter tido a dádiva de parir um filho com respeito!