terça-feira, 12 de julho de 2011

Leite materno à la carte

Por que não mamam seguindo um horário regular
O horário das mamadas é um mito. Houve um tempo em que se acreditava que os bebês tinham que mamar a cada três horas, ou a cada quatro horas (e dez minutos de cada lado, para maior escárnio!). Você já se perguntou alguma vez por que dez minutos e não nove ou onze? Evidentemente, são números redondos. Como alguns passaram a acreditam que um “número redondo” era um “número exato”?
Obviamente, nós adultos jamais comemos “dez minutos de cada prato a cada quatro horas”. Quanto tempo demoramos para comer um prato? Ora, depende do quão rápido nós comamos, que coisa! Aos bebês acontece o mesmo: se mamam rápido, demoram menos de dez minutos, e se mamam devagar, demoram mais.
Se comemos em horários fixos é somente porque nossas obrigações laborais nos exigem. Normalmente, nos feriados, saímos completamente dos nossos horários habituais sem que nosso organismo se ressinta minimamente disso. No entanto, ainda há quem ache que os bebês têm de se acostumar a um horário, com vagas referências à disciplina ou à digestão.
A comida dos adultos pode esperar. Nosso metabolismo o permite, e a comida será a mesma a qualquer hora. Mas o seu filho não pode esperar. Sua sensação de fome é imperiosa, e a comida muda caso se atrase. Porque o leite materno não é um alimento morto, mas um tecido vivo, em constante evolução. A quantidade de gordura no leite aumenta muito ao largo da mamada: o leite que sai no princípio tem pouca gordura, e o que sai no final tem até cinco vezes mais.
A quantidade média de gordura no leite em uma determinada mamada depende de quatro fatores: diminui com o tempo decorrido desde a mamada anterior (quanto mais tempo, menos gordura) e aumenta com a concentração de gordura ao final da mamada anterior, o volume ingerido na mamada anterior e o volume ingerido na mamada atual (a leitora curiosa pode consultar a excelente revisão de Wool-ridge sobre a fisiologia da lactância).
O bebê que mama nos dois peitos raramente acaba de mamar o segundo, assim podemos dizer, simplificando muito, que toma dois terços de leite aguado e um terço de leite concentrado. Já o que mama em um só peito toma metade aguado e metade concentrado. Se toma leite com menos gorduras (e portanto com menos calorias), seu filho pode aceitar um volume maior e com isso ingerir mais proteínas. De modo que o bebê que mama 50ml de cada peito não está mamando o mesmo que o que mama 100ml de um só peito, e as dietas do que mama 80ml a cada duas horas e do que mama 160ml a cada quatro horas são totalmente distintas.
O controle da composição do leite ainda é objeto de pesquisa e o que desconhecemos é, provavelmente, muito mais do que o que sabemos. Por exemplo, se observou que um peito costuma produzir leite com mais proteínas que o outro. Talvez seja pura casualidade. Ou talvez seu filho possa escolher, mamando mais em um peito ou no outro, uma comida com mais ou menos proteínas.
Você achava que o seu filho comia sempre o mesmo? Pensava que seria entediante passar meses tomando só leite? Pois agora você vê que com o leite materno não é assim. Seu filho tem à disposição um amplo menu onde pode escolher desde sopas rápidas até sobremesas cremosas. Como não sabe falar (nem o peito poderia entendê-lo) ele escolhe o seu menu dando instruções ao peito mediante três pontos básicos:
- a quantidade de leite que mama em cada mamada (ou seja, mamando mais ou menos tempo com maior ou menor intensidade)
- o tempo entre uma mamada e outra
- se mama em um só peito ou nos dois a cada mamada
O que o seu filho faz em seu peito é autêntica engenharia para obter a cada dia o que necessita. O controle de seu filho sobre sua dieta é total e perfeito quando ele pode variar à vontade os três pontos básicos. Nisso consiste a amamentação em livre demanda: que o bebê decida quando vai mamar, durante quanto tempo e se vai mamar em um peito ou nos dois a cada mamada.
Quando os impedimos de controlar um desses mecanismos, a maioria dos bebês consegue uma dieta adequada manobrando habilmente os outros. Assim, num experimento, a alguns bebês lhes deram sempre um só peito a cada mamada durante uma semana e os dois peitos a cada mamada em outra semana (a ordem das semanas era ao acaso). Em teoria, os bebês ingeriram muito mais gordura ao longo do dia ao mamar em um só peito que ao mamar nos dois. No entanto, os bebês modificaram espontaneamente a freqüência e duração das mamadas e conseguiram tomar quantidades similares de gordura (só que em volumes distintos de leite).
Mas o bebê que não pode modificar nem a frequência nem a duração das mamadas, nem decidir se toma um peito ou os dois, está perdido: já não tomará o leite de que necessita, apenas aquele que por acaso chegue até ele. Se sua dieta se distancia muito de suas necessidades, o bebê terá problemas: seu peso não será adequado ou passará o dia faminto e choroso.
Por isso a amamentação com horário raramente funciona e o resultado é tão mais catastrófico quanto mais rígido for o horário que se impõe. O bebê necessita mamar de forma irregular porque só assim pode ingerir uma dieta equilibrada. Desde o primeiro dia, embora aparentemente esteja tomando só leite, seu filho já escolhe sua dieta num amplo leque de possibilidades e já escolhe sempre com acerto, tanto em qualidade quanto em quantidade. 
("Mi niño no me come", de Carlos González, capítulo 2; tradução de Paloma Varón, do blog http://fotocecilia.blogspot.com/)

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