terça-feira, 8 de maio de 2012

Relato de parto da Rapha e da Alice - Parto Domiciliar com transferência pro hospital e bolsa rota prolongada



Sempre quis um parto natural. Sabia que era o melhor graças a minha avó, que relatava seus partos, um deles ela até dizia ter gargalhado no expulsivo, um parto totalmente sem dor. A data prevista era dia 17 ou 21 de agosto, mas eu brincava que você nasceria dia 4, assim como a minha avó. Pensamos em parto domiciliar, mas morávamos longe e eu ainda não estava bem resolvida. Entrei para uma lista de e-mails de apoio ao parto normal, a PartoNosso, que me deram muito apoio, aquelas mulheres maravilhosas. Mas com quase 36 semanas fiquei sabendo que você estava sentada em minha barriga. Meu mundo pareceu ruir. Eu que estava tão tranquila para parir poderia ter que fazer uma cesárea com anestesia geral*, não ouviria nem você chorar! Aquilo era a morte para mim. Mas eu conversava com seu pai, pois aqui tem uma equipe de parteiras e obstetras que tem preparo para um parto pélvico. E teríamos uma doula para ficar o máximo em casa e ir para o hospital em trabalho de parto.
Recebi um dos e-mails que dizia:

"Sim, sei que quando a gente está grávida, fica sensível e essa emocionalidade banhada a muitos hormônios parece nos deixar frágeis, mas saiba que nossos pensamentos, sentimentos, são poderosíssimos. Mesmo. Não é papo. E, se você própria não acreditar na possibilidade de parir sua filha CEFÁLICA, nem ela acreditará. Mais do que SABER que ela pode virar, SINTA que ela virará. Entre em contato consigo e com ela, tente estar a sós com você e com ela e sentir, mais do que falar, tente entrar em conexão com o que há de mais VERDADEIRO em você, pois, muitas vezes, a gente tem um conflito por achar que acredita, aceita determinadas coisas, mas, no fundo, tem medo ou sente de outra forma, sei lá... se você estiver muito ansiosa e não conseguir parar para "se conectar", tente escrever. Escreva o que se tem passado com você, seus sentimentos e pensamentos em relação a tudo isso e não precisa mostrar a ninguém, mas pode ser que você encontre algo que fica num recôndito tão escondido, que você nem suspeitaria.

Acho MUITO que essas coisas podem te ajudar nessa busca pelo nascimento amoroso de sua filha (é filha, não é?). A gente carrega muito mais coisas do que "suspeita nossa vã filosofia".

Desculpe, Rapha, se estou parecendo acusativa. Não é minha intenção, mas é que acredito MUITO que seu parto pode ser salvo, que vc pode parir e não saber do nascimento de SUA filha por o que outras pessoas vão contar...

P. C., que não se lembra do nascimento de sua primeira e única filha e não deseja isso pra ninguém."


Essa moça, a P. C. foi maravilhosa, acalmou meu coração. E  fiz o que ela recomendava, escrevi uma carta pedindo para você virar.
Fiz vários exercícios próprios para fazer o bebê mudar de posição. E várias mulheres que conversaram comigo e me apoiaram viraram amigas, como a Aretha (mãe da Aurora), por exemplo. Seu pai temia, coitado. Ficava com o coração na mão de medo da possibilidade da cesárea. Mas nós iríamos tentar tudo o que pudéssemos para ter o melhor parto possível.

*Fiz uma cirurgia na coluna que impossibilita a aplicação de anestesia. Cesárea só com anestesia geral.


Carta para o bebê sentado
"Alice, filha, eu sempre quis ter você. Sempre. Mas quando com 13 semanas “descobri” que você era uma menina, senti medo.
Medo de que você passasse por coisas que passei, medo por você viver for a daqui de mim, onde o mundo nem sempre é bom e bonito. Tive medo do que você pudesse encarar ao longo da sua vida, encarar coisas difíceis e desnecessárias. Chorei muito… [...]
A gravidez foi evoluindo e meu desejo de fazer você nascer naturalmente foi crescendo também. Eu já no começo imaginava que o parto normal era melhor, já era a minha intenção, pois tinha medo da cesárea que todos me indicavam. Mas pesquisei, li muito para decidir e entender porquê era melhor você nascer com a minha ajuda.
[...]
Você era perfeita, a gravidez estava ótima também.E tudo se encaminhava para o parto natural tão desejado por mim.
Quando eu e seu pai conversávamos sobre isso, ele fazia novamente  a cara assustada, de quem tem medo do que não conhece. Por ele você ficava aqui dentro de mim, pois estava protegida!
Mas não o culpo, pois é difícil enfrentar o que não conhecemos. As semanas passaram até que o médico disse que você estava sentadinha dentro da minha barriga. E isso não era bom, pois dificilmente encontraríamos um médico que auxiliasse o parto de um bebê que nasce com o bumbum pra lua. E me ofereceram a cesárea.
Muitas mulheres preferem a cesárea por medo das dores do parto. Pois dizem que dói muito na mãe. Outras escolhem a data que querem que o bebê nasça, e existem as mulheres que realmente precisam de uma cesárea.
Para mim, eu não me encaixava em nenhuma delas. Nem das que escolhem a data, nem das que tem medo de parto normal e nem das que tem uma real indicação para a cirurgia, pois bebês pélvicos também nascem.
Eu me lembrava de minha avó contando sobre os partos e minha mãe e sogra assustando. Minha mãe assustando pois teve um parto normal cheio de intervenções, traumático. E minha sogra assustando pois você estava sentada. Minha avó até brigou com a minha mãe para ela parar de me incentivar a te dar mamadeira e a nascer por cesárea. E acho que depois ela parou.
Eu senti meu mundo ruindo, minhas expectativas indo embora quando me diziam que eu teria que fazer uma cesárea para você nascer. Eu nunca colocaria você em risco, nunca. Por isso eu queria o que fosse melhor.
[...]
Pois filha, quem diz quando é a hora de nascer é você! Você irá me avisar quando está pronta. Quando vai estar pronta para vir conhecer a mamãe, o papai e todo o mundo. E o meu papel é te ajudar nesse processo de sair de dentro da barriga, da forma mais suave e bonita que nós conseguirmos. Mas pra isso eu preciso que você vire de cabeça para baixo.
Faremos algo chamado “versão cefálica externa”, onde uma enfermeira de forma delicada vai pegar você por fora da barriga da mãe e vai virar você para que você fique na posição correta para nascer, pois está chegando o nosso grande dia! E quero que você seja muito bem vinda a esse mundo.
Sempre pensei no que diria quando nos encontrássemos a primeira vez e eu sempre soube. “Seja bem vinda ao mundo, Alice. Que você tenha uma vida cheia de felicidades, amor e respeito. E para as adversidades da vida, que você tenha equilíbrio, paciência, força de vontade e sabedoria para resolvê-las”. E tenho certeza de que sua vida será ótima. Pois você já me trouxe tanto amor desde o momento em que era um girininho, me trouxe a sensação de estar completa! Alguém que faz tanto bem para os outros não pode ter uma vida diferente.
Filha, quero que você saiba que estou fazendo o que creio ser o melhor pra você. Acho que o momento em que você nasce é importante. Quero que o seu momento de nascer e o meu de renascer sejam repletos de amor, respeito e ajuda mútua. Faço o que posso e você o que pode. Então filha, fique de cabeça para baixo. Será o melhor para nós duas."

Versão Cefálica Externa
Parir pra mim era mais do que apenas necessário, era vital. Era de suma importância que eu tivesse novamente a sensação de posse do meu corpo após anos de violência. Era importante também que eu mostrasse para mim mesma que meu corpo funcionava. Que ao contrário do que todos pensavam (menos a minha avó que sempre me apoiou), eu conseguiria sim parir. Eu queria muito um parto domiciliar mas o papai tinha medo e não tínhamos dinheiro. Mas percebi que quando eu realmente tive firmeza, confiança, ele também teve de que o parto domiciliar era o melhor. E o dinheiro nós iríamos pegar emprestado, dar um jeito. Cheguei ao ponto de que eu faria até um parto pélvico em casa, se a equipe me passasse confiança. Procurei uma doula e conversamos apenas pela internet, pois ela não tinha tempo para me atender, mas ela tentava tirar da minha cabeça a possibilidade de um parto domiciliar. As semanas foram passando, Alice pélvica e a gente esperando ela ficar cefálica para entrar em contato novamente (conversamos quando eu estava com 5meses) com a equipe de pd.
Conversei com o obstetra Marcos Leite sobre a possibilidade de fazer uma versão cefálica externa quando a gestação chegasse a termo. Marcamos com uma das enfermeiras do Hanami para quando eu estivesse com 37 semanas e 5 dias.
Segunda (dia 2 de agosto) pela manhã fomos encontrar a enfermeira Vânia para fazer a versão externa. Durou no máximo 10 minutos, foi muito rápido e muito intenso. A Vânia e a Clariana (outra enfermeira) pegaram cada uma em uma parte do corpo da bebê, uma na cabeça e a outra no bumbum e foram fazendo força até você virar. Foi muito doloroso e meu marido disse que bem ruim de assistir, pois elas fazem muita força para colocar na posição. Uma vez a manobra acabada elas ficaram muito tempo monitorando os batimentos, pois eles caíam e subiam muito. Depois a Vânia perguntou de podia fazer um toque e quando fez disse que você estava “a zero”, mas que provavelmente demoraria umas 3 semanas para nascer. Aquela seria nossa primeira consulta e nós ligaríamos no outro dia para combinar preços e coisas do tipo. A data prevista era o dia 21 de agosto.

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Saímos para o centro, eu, marido e minha mãe, onde ficamos andando até conseguir comprar tudo o que faltava. Eu estava com dor, cansada, mas com uma sensação estranha, não sei explicar. A noite seu pai terminou de colocar a última prateleira na parede e veio me dizer. Eu me levantei para ver e a bolsa rompeu. Eram 21h do dia 2 de agosto. Dois dias antes do aniversário da minha avó!
O trabalho de parto
Eu tinha contrações bem fracas a cada 3 minutos (eu “sabia” que ainda não era a hora, mas tinha uma amiga enfermeira em casa que insistia que eu estava já em trabalho de parto, mesmo que eu não dissesse que não acreditava. O pessoal aqui em casa pediu para chamarmos as parteiras que vieram naquela noite fria, monitoraram os batimentos da Alice e eu dormi a noite toda, logo não tinha contrações verdadeiras. Por ficar deitada para o BCF os batimentos caíram um pouco e as parteiras ficaram um pouco receosas. Não tinhamos combinado nada e uma das parteiras tinha sido assaltada antes de vir para nossa casa. Pela manhã elas conversaram com o meu marido, minha mãe e minha amiga e sugeriram que eu fosse para o HU para tentar uma indução. Eu queria ficar em casa, mas elas disseram que eu teria que começar o antibiótico, que teria que falar com o médico, enfim, elas não tinham segurança em mim (que só havia conversado com elas no dia anterior) mas ainda assim tinham vindo em casa, mesmo sem ter sido planejado. Pedi para esperarem eu tomar banho (elas dariam carona para a gente, pois não tínhamos carro) e chorei muito debaixo da água. Pedi que tudo acontecesse da melhor forma possível. Que minha filha nascesse com saúde e eu ficasse bem para cuidar dela. Entrei no carro delas com um sentimento de derrota, pois sabia que começariam as intervenções e até provavelmente uma cesárea, que uma das parteiras tentava me convencer de que quando ela é necessária ela é válida, que eu não ficasse mal. Enquanto eu estava no carro, parecia que ia desfalecer, ouvindo ao fundo ela falando sobre o assalto que tinha sofrido. Foram os 30km mais longos que percorri.

[Preciso fazer uma pausa para reconhecer que me deixei levar e perdi um pouco do protagonismo. Eu poderia ter mandado a “amiga enfermeira” a merda (coisa que fiz depois), poderia ter brigado que não queria ter chamado as parteiras, que queria ter ficado mais em casa, mas não fiz. Eu não estava preparada para receber minha filha! Para mim, ainda teria 2 semanas ou mais pela frente!]

Chegamos no hospital e começaram as grosserias. “Você veio só pra fazer o BCF ou vai parir aqui? Pois aqui no hospital nós temos regras e você terá que obedecê-las”. E eu sentindo que o protagonismo tão sonhado para o meu parto estava indo embora. Toques e mais toques, com ou sem gel, todos muito dolorosos (contei 8 no hospital), enfim me internaram, depois de 3 horas de espera (que eu nem ligava, pra mim o quanto mais enrolasse melhor).
O quarto de pré-parto estava muito gelado e me deram cobertor, mas eu tremia demais, de medo, de frio... Pedi um aquecedor e conseguiram achar um, o que me deixou mais confortável. Pedi para ir para a bola, se ela ajudasse nas contrações, mas disseram que só ajudava o bebe a encaixar. E eu esperando, sem saber o que poderia fazer para começarem as contrações, que vinham fracas e descordenadas. O rapaz que fazia o BCF e o cardiotoco só de entrar, com todo o respeito no olhar me acalmava. Em compensação, eu era a “do parto em casa” ou a da “versão exterma”. Fizeram um ultrassom para saber se tinha perdido líquido e a mulher que fazia me questionava por ter feito a versão, que era “muito perigosa”. Enquanto ficava fazendo o cardiotoco em uma sala, na porta aparece uma residente que pergunta se estou a termo e respondem que não tenho contrações e ela diz ”que ótimo, tô de plantão na UTI neo e não quero ninguém hoje lá até as 16 h.”
Mais desespero, aquela sensação de medo do corpo não funcionar. Ficava com meu marido no quarto, enquanto uns entravam, faziam toque, me deram almoço, bebia água. Colocaram o miso as 16h e a residente explicou que poderiam colocar 4. O líquido em todo momento era claro e os batimentos da Alice eram normais, mesmo com o aparelho de cardiotoco não marcando contrações (percebemos depois que na verdade ele estava com problemas). E toda a frieza no tratamento, menos de uma técnica de enfermagem que era muito atenciosa, ela me dizia para ir para o chuveiro, passava óleo nos meus lábios que estavam rachados. E eu na cama, sentada de olhos fechados, meio dançando, me balançando, parecia em transe algumas vezes, mas sempre era interrompida. Apagava as luzes e eles acendiam.Comecei a “burlar” o cardiotoco fazendo ele sentada, pois quando eu deitava de barriga pra cima os batimentos da Alice caiam um pouco, mas se eu permanecesse sentada eles ficaram normais. Depois de umas 5h alguém veio fazer um toque e o colo continuava desfavorável. Jantei. Alguém me explica que não pode colocar outro comprimido pois eu tinha contrações. E as horas passando e eu sendo tratada como uma “bomba relógio”. Mais umas horas se passam (eram 22h, ja faziam 25horas de bolsa rota) e entram no meu quarto e a enfermeira diz que eles acham melhor uma cesárea, pois era arriscado esperar mais, mesmo com tudo bem. Ela sai e eu entro em desespero, com aquele sentimento de “raiva” de mim por não ter conseguido nem ter contrações que todas as mulheres conseguem. E entra uma técnica praticamente correndo e coloca uma touca em mim de qualquer jeito, outra levanta meu avental e me raspa, outra entrega correndo o avental para meu marido. E tiram meu aquecedor. Ninguem fala comigo. E eu falo da anestesia geral, e foi aquele “ninguém sabia”. Chamam a anestesista, e enquanto meu marido sai para pegar minhas radiografias entra a enfermeira que tinha a cara e mesmo nome da minha sogra e diz ”como assim você jantou as 19h? A janta foi servida as 17h” Com uma insinuação extrema de que eu estava mentindo e eu desesperada, chorando demais dizendo que tinha jantado com meu marido sim, que era verdade, que eu não estava mentindo. Essa enfermeira depois entra novamente para confirmar a minha história. A anestesista fica “brava” comigo pelo meu medo da anestesia geral, pela minha tristeza em não ouvir minha filha chorar, ninguém..

(pausa para limpar as lágrimas)

... ninguem entendia o quanto era importante pra mim, veio obstetra, enfermeiras, todas tentando me convencer de que estava tudo normal em fazer uma cesárea. Como profissionais da área não entendem o quanto é importante parir? E a expressão de dor no rosto do meu marido, de dor por mim, de medo da nossa filha ir para a UTI. A obstetra pergunta se tenho algum problema de saúde e meu marido conta que tenho má circulação e eu digo que uma prima quando fez uma cirurgia com anestesia geral teve trombose. E a obstetra diz que eu não deveria ter engravidado. Explico que eu estava tendo contrações desrreguladas, que se o BCF estava tudo bem e o líquido claro, que queria esperar, mas a obstetra não quer. Mais desespero e eu digo ao meu marido que não deu tempo de eu escrever sobre a cesárea, como uma despedida, eu tinha certeza de que algo de ruim aconteceria comigo, por mais difícil de explicar que isso seja. E eu queria escrever para ele caso isso acontecesse, meio que uma carta de “despedida”. Eu tinha certeza de que algo morreria. Mas não tinha dado tempo. Eu ia morrer sem conhecer minha filha. Eu tinha certeza de que eu morreria e isso era absurdamente devastador. A anestesista volta e diz que como eram 22h, eles esperariam até o amanhecer para me operar, pois de madrugada eles só fazem em urgência. E eu tinha contrações desrreguladas. Vem a obstetra e eu deixo claro que não menti, que tinha trazido as radiografias da minha coluna pois sabia que talvez fosse necessário uma cesárea, que eu nunca colocaria minha filha em risco.

E fiquei novamente no quarto com meu marido, me trouxeram o aquecedor depois de um tempo. Apagamos as luzes para eu ficar no escuro, eu fico me movimentando na cama, como se estivesse em transe. A técnica me incentivava, disse para eu pegar a bola e desde que sentei, pulei, rebolei as contrações engrenaram. Eu queria caminhar, mas aquela foi a noite mais fria do ano, então era impossível ficar naqueles corredores apenas com o avental, era frio demais e o quarto era pequeno para poder caminhar dentro dele. Eu fico subindo o degrau da escadinha da cama para me movimentar. Mais tarde entra uma obstetra e diz “que bom” que eu estava com contrações, pois se chegasse de manhã e eu estivesse com uns 8 cm, eles esperariam e assim desistiram de colocar a ocitocina. E começou a minha cobrança. Meia noite fazem outro toque e eu tenho 2 cm de dilatação. Aquela expressão no rosto de quem fez o toque de “não vai conseguir”. A técnica me coloca com a bola no chuveiro, diz para eu ficar lá bastante tempo, mas eu tinha cardiotoco a cada meia hora e BCF em 15 minutos. Troca o moço do cardiotoco e eu continuo fazendo sentada.

O trabalho de parto ativo
Lá pelas 2h da manhã as dores estavam muito fortes. Na bola, meu marido fica segurando minhas mãos para eu me sustentar e eu fico rebolando e pulando. Peço para meu marido começar a me chamar atenção, para me acalmar. Eu tinha entrado em trabalho de parto. A técnica me lembra como respirar direito, pois no nervosismo eu não prestava a tenção nisso. Ele me chamava atenção, me segurava as mãos e repetia o mantra “calma, calma, respira”. Eu sentia meu corpo travando. Medo, frio, medo... Medo de depois de todas aquelas dores eu ter que fazer uma cesárea. Eu repetia pra mim: ”pelo menos estou em trabalho de parto, é o melhor pra Alice...”
Deitei na maca e relaxei. Comecei a soltar o corpo nas contrações. Tentava trancar só as pernas e sentir meu corpo “abrir”. Estranho, mas vinham as contrações e eu fazia como nos exercícios, para abrir. E sentia uma sensação de prazer mesmo, sem dor, só prazer, um prazer quase sexual, mas nem comentei com meu marido. Meu medo era tanto que eu não conseguia me focar na sensação prazerosa, e logo foquei só na dor. Fui para o chuveiro novamente e já estava pedindo algo para me ajudar, pois a dor era lancinante. No chuveiro eu dizia para mim mesma que nós duas conseguiríamos. Pedia algum remédio, pois não aguentava mais. E respondiam que nada podia ser feito para diminuir a dor. E para mim aquela dor era mais difícil de suportar, pois eram as dores de quem depois certamente cairia numa cesárea. Peço a obstetra para dizer se tinha alguma posição que poderia me ajudar com as dores e ela pede para alguem me ajudar e ninguem vem. Peço novamente e ninguem vem.

Meu marido diz que era dia 4 de agosto, dia do aniversário da minha avó. Sim, Alice nasceria no dia que eu tanto queria! Aquilo me encheu de felicidade e eu e meu marido rimos. Na cama ao lado uma mulher com 8cm, pouca dor, mas os batimentos do bebe alterados, foi pra cesárea. Isso me marcou muito, afinal eram 8cm. Uma contração junto da outra e eu muito cansada, com medo de não conseguir. Estava tão cansada que comecei a “me entregar”, gemia, não me contorcia, só sentia e vocalizava. Foram várias contrações assim, naquele torpor. Eu me entreguei, finalmente. Passei a VIVER o parto. Não quis mais fugir, foi uma entrega mesmo, como se eu estivesse realmente cansada de temer. Fiquei como se nada tivesse acontecido. As dores ficaram mais fáceis de suportar, mas ainda fortes. Até que senti a vontade de “fazer cocô”. Meu marido chama a enfermeira e ela vem com expressao duvidosa e faz o toque que eu berro de dor. Ela não acredita, faz de novo, acho que chama alguém que também toca e dilatação total. “Faz força”, faço força como se fosse a última coisa a fazer na vida. “Faz força lá embaixo”, “espere a contração” e eu não conseguia mais sentir as contrações e dizia isso, e fazia força. Pedi para mudar de posição, pois estava deitada e ela não deixou. Eu queria ficar de cócoras mas ela não deixava. Fiz mais força. Começou a coroar, vamos para a sala, sento na cadeira, meu marido me segura por tras. Não sentia as contrações e fazia força o tempo todo, pedi para a enfermeira me avisar e ela não falava quando eram as contrações e eu empurrava. Eu sabia que tinha que fazer força apenas nas contrações, mas sentia que tinha que empurrar a qualquer custo, pois se não empurrasse eles não esperariam ela nascer. Pra mim, ainda pairava a cesárea. Estava na partolândia, não raciocinava, urrava. Força, força, arde, sinto as mãos da enfermeira me “abrindo” e ela nasce. Foram duas forças e ela saiu inteira. Enrolada pelo ombro e pernas no cordão. A enfermeira que parecia minha sogra que segurou, pois estavam todos na cesárea. Ela corta o cordão (nem perguntou se eu queria, quando vi ela cortou), recebo uma injeção, dizem para eu me deitar rápido, a Alice no colo e eu ainda não acreditava. Jogam a minha placenta fora, também não me perguntam pelo menos se eu queria ver.

Disse “Oi Alice, oi filha”, meu marido diz “ai que sujinha” rindo.

E eu digo “NÓS CONSEGUIMOS” e meu marido diz, “não, VOCÊ que conseguiu”. A Alice deu um chorinho e quando veio para meu colo parou e deu um resmunguinho que parecia um miadinho. Ela nasceu com 2,720gr e 46 cm. 33horas de bolsa rota. Rosa, cabeluda, linda... Apgar 9 e 9. Cerca de 4h de trabalho de parto ativo. E eles pedem para meu marido sair da cadeira, eu fico com ela no colo por meia hora (mas pra mim foram uns 5 minutos no máximo!) levam ela e me amarram para comecar a suturar. Vou para a sala de recuperacao, ela mama. Meu marido olha com os olhos marejados. Eu desejo muito amor, saude e respeito para a vida dela. Que para os problemas da vida ela sempre tivesse paciencia, sabedoria e determinacao para resolve-los.
Meu marido ligou para algumas pessoas (mãe dele, minha mãe, meu padrasto) e eu liguei para minha avó. Eu disse “Oi vó, feliz aniversário! E de presente sua bisnetinha nasceu, de parto normal” e ela disse ”nasceu? De parto normal? Minha filha, você conseguiu”, com a voz embargada. Foi lindo.


A Rapha hoje quer fazer enfermagem para ser parteira num futuro próximo! Todastorce pra ela se formar logo! 

2 comentários:

Mirian Kedma Marques Pereira disse...

Nossa! Que parto inspirador heim! Guerreira contra o sistema desumano! Parabéns!!!

xsuxsuzetex disse...

Ahn, que história mais linda! Com final feliz! Lágrimas rolando aqui! Muitas coisas boas pra vocês duas, pra toda a família!